
No dia 5 de dezembro, a deputada federal Joice Hasselmann prestou depoimento na CPMI das Fake News em que fez acusações graves contra dois filhos de Jair Bolsonaro e uma rede bolsonarista. Joice fez uma apresentação de 76 slides para a comissão e falou por nove horas.
No dia 15 de novembro, em entrevista ao DCM, o blogueiro de direita Luciano Ayan enviou um estudo chamado “Redes Antissociais”. Ayan estava, naqueles dias, rastreando a atividade de bots, fakes e perfis que atacaram o jornalista Glenn Greenwald após a agressão física que ele sofreu de Augusto Nunes na Jovem Pan.
Embora Luciano Ayan não tenha conversado diretamente com Joice Hasselmann, ele afirma que suas pesquisas estão servindo de base para a defesa de algumas pessoas na CPMI. Tanto ela quanto Alexandre Frota e outros deputados que fizeram parte do círculo próximo de Bolsonaro no PSL estão traçando estratégias e estudos comuns para mostrar a atuação dos difamadores na rede.
O DCM estudou os dois documentos para explicar o que está por trás do Power Point apresentado por Joice Hasselmann.
As “Redes Antissociais” de Bolsonaro
O documento de Ayan busca explicar a manipulação dos debates das redes bolsonaristas para disseminação de fake news e cyberbullying. A apresentação descreve um ciclo em cinco passos que se repetem: “perfis falsos organizados – linchamentos digitais – comportamento sectário – mídia amadora – levantamento artificial de temas”.
As “milícias bolsonaristas” denunciadas por Joice são descritas por Luciano Ayan como “redes bolsolavistas” – tendo como referência o guru Olavo de Carvalho, seu principal influenciador digital, e o presidente da República.
O levantamento artificial de temas é feito por uma mídia que Ayan descreve como “amadora”, formada majoritariamente por militantes que não tiveram experiência anteriores em veículos de jornalismo. Conexão Política, Terça Livre, Renova Mídia e Crítica Nacional são alguns exemplos de mídias que fazem o levantamento de assuntos que se transformam em ataques para manchar a reputação dos “inimigos de Bolsonaro”.
São mais de 100 perfis que foram elencados por Luciano Ayan, entre influenciadores, assessores e políticos, mídia amadora e perfis disseminadores no Twitter.
O “Gabinete do Ódio”
Joice Hasselmann apresentou o “mecanismo” das “milícias bolsonaristas” em cinco passos que lembram o organograma de Luciano Ayan.
Joice diz que Eduardo Bolsonaro determina o alvo e coordena os ataques (num grupo secreto de Instagram). São os dois primeiros passos.
Em seguida, começam as publicações a partir de perfis verdadeiros. O quarto passo é o crescimento artificial (bots e mídias bolsonaristas).
O quinto e último passo é transformar o conteúdo das publicações em pauta de entidades como o Movimento Conservador, Direita SP e Avança Brasil.
A deputada afirma que o estado maior do “gabinete do ódio” se comunica através do aplicativo Signal, que permite deletar mensagens. Os “multiplicadores de ataques” são contatados via WhatsApp.
O “Gabinete do Ódio” é operado, segundo Joice Hasselmann, por Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro para defender interesses do pai e do irmão Flávio.
Eles coordenam, segundo esse mesmo documento, parlamentares como Carla Zambelli, Bia Kicis, Filipe Barros, Chris Tonietto, Caroline de Toni, Ana Campagnolo, Daniel Silveira, Gil Diniz e Douglas Garcia, incluindo também assessores, mídia própria e movimentos. Joice afirma que os ataques custam R$ 491.300 por ano, pagos, em parte, com verbas de gabinetes.
Carlos Eduardo Guimarães, assessor de Eduardo Bolsonaro, estaria envolvido nas ações, responsável pelo perfil de Instagram BolsoFeios.
A maior parte dos operadores, entretanto, trabalha no gabinete do deputado estadual Douglas Garcia. Ele é coordenador do movimento Direita São Paulo.
Edson Salomão recebe R$ 24 mil; Jorge Saldanha, R$ 18 mil; Alexandre da Silva, R$ 9,3 mil; André Petros, R$ 9,3 mil; Carlos Olímpio, R$ 6,8 mil; Dylan Dantas, R$ 7,3 mil; Jhonatan Valencio, R$ 7,6 mil; Lilian Goulart, R$ 6,3 mil; Lucas Reis, R$ 11 mil; Maicon Tropiano, R$ 6,8 mil; e Matheus Galdino, R$ 6,8 mil.
Joice descreveu ataques e disseminação de mentiras em um caso específico, o do ataque de Bolsonaro contra o ator Leonardo DiCaprio. O levantamento apresentado por ela mostrou 88 mil mensagens enviadas ou retuitadas de maneira automática por robôs ou perfis ocupados por robôs.
Para o levantamento, a deputada utilizou o Botometer, ferramenta que faz o monitoramento automatizado de perfis no Twitter através dos comportamentos do usuário na rede.
O programa rastreia a intensidade de postagens, ações em conjunto, tipo de seguidores e reações. As métricas são aperfeiçoadas com feedback dos usuários da ferramenta na internet.
O programa é fruto de uma colaboração entre a Indiana University Network Science Institute (IUNI) e o Center for Complex Networks and Systems Research (CNetS), ambos nos Estados Unidos.
O DCM entrou em contato Luciano Ayan para entender melhor as informações e os dados fornecidos por Joice Hasselmann.
“Entendo que Joice mencionou Eduardo Bolsonaro mais vezes, até porque ambos faziam parte do PSL de São Paulo. Como ela falou de sua experiência, é natural que tenha citado mais o Eduardo, mas, em termos de levantamento de temas nas redes sociais, eu veria uma participação maior de Carlos Bolsonaro do que de Eduardo. Uma olhada nos tuítes de Carlos mostra que vários temas são impulsionados mais por ele do que por Eduardo, que costuma ir na sequência”, explica o blogueiro.
Ayan acredita que a Polícia Federal pode ter cada vez mais elementos para uma investigação com esses depoimentos. Luciano Ayan auxilia Frota na CPMI e diz que está ansioso para ouvir o depoimento de Gustavo Bebianno e de Julian Lemos.
Ayan não acredita que criminalizar a fake news em si será o suficiente. O crime, na opinião dele, está relacionado aos ataques organizados na rede. E o envolvimento do governo Bolsonaro nessa estrutura de crimes com suposto uso do dinheiro público dá uma dimensão mais grave ao caso.
“Há claramente manipulação de debate. Isso se resolve com ações em várias esferas, incluindo criminal, além de projetos de lei e conscientização da sociedade civil”, finaliza Luciano Ayan.