Gaby Amarantos tentou desconstruir Silvio Santos no grito e se deu mal. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 6 de junho de 2018 às 20:05
Gaby Amarantos e Silvio Santos

O mundo não é linear e, assim sendo, tenho que concordar com Danilo Gentili dessa vez.

O humorista saiu em defesa do apresentador Silvio Santos, duramente criticado pela cantora Gaby Amarantos em uma rede social após chamar a também cantora Preta Gil de gorda em seu programa.

“Você está mais gorda do que na última vez que esteve aqui, mas seu rosto ainda é bonito”, disse à Preta, que relevou a brincadeira como de costume.

Surfando a onda da problematização, Gaby Amarantos criticou a postura de Silvio Santos em um vídeo postado numa rede social: “Sério que vcs acham Silvio Santos ídolo? O cara fez a gente crescer vendo-o ridicularizar negros/mulheres/gays/plus e ganhar mídia com isso. Vocês estão mal de ícone, viu? Não dá mais pra normalizar isso! Racismo não é opinião, gordofobia não é opinião, homofobia não é opinião, machismo não é opinião. Comunicadores, humoristas e todo e qualquer ser humano não podem usar desse artifício pra destilar preconceito!”

Como a internet não perdoa, descobriram tweets da cantora enaltecendo Silvio Santos em 2011. Nós sabemos o que você fez no verão passado, Gaby, mas você não vai pro gulag: a gente sabe que um clássico é um clássico.

Entendo – e concordo – que racismo, machismo, gordofobia e homofobia (ódio, de modo geral) não podem ser combustíveis do humor e do entretenimento no século do empoderamento das minorias.

Acontece que Silvio Santos chegou à televisão antes do empoderamento das minorias.

Todo mundo tem um tiozão, uma tia velha ou uma avó que não conseguem desconstruir preconceitos antigos porque o mundo que temos construído é novo demais aos seus olhos: natural e humano.

Em se tratando de um país colonizado e provinciano, a desconstrução de antigos preconceitos é um processo pelo qual todos passam, todos os dias, cada um à sua maneira e, principalmente, cada um ao seu tempo.

Uma coisa é discordar desses tiozões, outra coisa é querer adequá-los ao politicamente correto no grito.

Em tempo, Silvio Santos não é um legitimador de opressões, ao contrário: foi quem primeiro abriu as portas para transformistas (nos quais Gaby tanto se inspira, ironicamente) na televisão brasileira.

Não ter papas na língua é sua marca registrada, e não um artifício propositalmente usado para ridicularizar minorias.

É verdade que Silvio está velho e senil. Aquela idade em que não se tem mais filtros (com os bolsos cheios de dinheiro, fica ainda mais fácil).

Desconhece as regras tácitas da geração tombamento que já não suporta piadas ofensivas e comentários indiscretos.

Se essa patrulha for termômetro para que respeitemos ou não respeitemos um artista, entretanto, aí é que ficaremos “mal de ídolos”.

Para sermos justos com nossa própria problematização, precisaríamos boicotar grandes escritores racistas e machistas como Machado de Assis e Monteiro Lobato, por exemplo. E ainda todo o humor escrachado dos Mamonas Assassinas e o talento inquestionável de Chico Buarque. Grandes atores como Morgan Freeman e Johnny Depp.

Precisaríamos excluir de nossos HDs pessoais clássicos da literatura, do cinema, da música e da televisão pra só dar audiência ao politicamente correto. Desculpem, mas não me parece um bom negócio.

Ninguém é intocável – nem mesmo quem joga aviões de dinheiro. Não se trata disso.

Mas é impossível mensurarmos a importância e a respeitabilidade artística de todos a partir de seus posicionamentos pessoais e pelo nível em que seus comentários se adequam ou não ao que se tem como aceitável e correto.

Ou, sendo possível, perderíamos muito com isso.

Os grandes apresentadores das próximas décadas – partindo do pressuposto de que a televisão sobreviverá – decerto não chamarão convidadas de gordas ao vivo.

Compositores pensarão duas vezes antes de escrever letras misóginas. Humoristas entenderão que bater em quem já apanha todos os dias não tem nenhuma graça.

Mas, por ora, o mundo que pessoas na idade de Silvio Santos conhecem é bem diferente do nosso, e a desconstrução dos estigmas encruados há tantas décadas nessa geração não vai acontecer no grito – não importa o quanto a gente lacre.