
O cientista norte-americano Craig Mello, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 2006, afirmou que o governo Donald Trump tem como plano “acabar com a ciência” nos Estados Unidos. Em entrevista ao G1, ele criticou os cortes em pesquisas e destacou os riscos da desinformação em saúde, que já resultam em mortes por doenças como o sarampo. “Os planos atuais do governo em Washington são essencialmente acabar com a ciência acadêmica como a conhecemos”, declarou.
Mello, referência mundial em biologia molecular, dividiu o Nobel com Andrew Fire pela descoberta do mecanismo de interferência de RNA, que permite “silenciar” genes responsáveis por doenças. Essa técnica abriu caminho para tratamentos contra câncer, Alzheimer e outras enfermidades. Para que pesquisas como essa avancem, o cientista reforça que são necessários altos investimentos, muitas vezes de milhões de dólares em cada etapa de testes.

Segundo ele, os cortes federais nas universidades e no Instituto Nacional de Saúde (NIH) comprometem a produção de vacinas e tratamentos inovadores. “Todos nós queremos mais pesquisas sendo feitas. A pesquisa não está consumindo o orçamento do país. As doenças envolvidas nessas pesquisas custam em atendimento trilhões por ano”, disse. Apesar das críticas, Mello acredita que parte dessas medidas funcionam como “blefe político” e não chegarão a ser implementadas de forma integral.
Outro ponto de preocupação é a escolha de Robert F. Kennedy Jr., conhecido por seu negacionismo, como secretário de Saúde. Em junho, Kennedy demitiu membros do Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização e os substituiu por pessoas céticas em relação às vacinas. Para Mello, essa decisão, somada a campanhas de desinformação, contribuiu para o aumento dos casos de sarampo, que chegaram ao maior nível em 25 anos nos EUA.
“Infelizmente, há crianças agora nos Estados Unidos morrendo de sarampo, que havia sido quase erradicado. Isso está sendo causado pelo medo incutido nas pessoas pela desinformação”, afirmou. O pesquisador defende maior participação dos cientistas no debate público para reduzir a distância entre a comunidade acadêmica e a população. “Questionar a segurança é normal. Mas é para isso que fazemos os testes e comprovamos a segurança”, destacou.
Craig Mello participou recentemente de um evento no Brasil com jovens pesquisadores para debater o futuro da ciência e os desafios da desinformação. Para Daniel Dahis, líder da startup Biodevek, a presença de nomes como Mello inspira novas gerações em um momento de fortalecimento do negacionismo. “É muito bom ver que muitas dessas pessoas estão interessadas em inspirar os jovens, ainda mais hoje, quando a negação da ciência ganha voz na internet”, disse.