Gebran, do TRF 4, usou a “prova por ouvir dizer”, importada dos EUA, no caso de Lula. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 2 de fevereiro de 2018 às 9:33
Gebran no julgamento de Lula

A velha questão da condenação de Lula baseada em convicções e não provas é bem mais, digamos, delicada do que se supunha. 

O site do Ministério Público do Mato Grosso do Sul publicou uma matéria sobre a utilização, por parte do desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF 4, de trechos do artigo ‘Hearsay tropicalizado – a dita prova por ouvir dizer’, da promotora de Justiça Ana Lara Camargo de Castro, no caso do recurso de Lula.

Reproduzo-a abaixo:

No voto, o relator fundamenta a partir do referido artigo que: “as provas não possuem valor tarifado, ou seja, não têm peso preestabelecido. Não há hierarquia entre elas, sendo possível a admissão, desde que lícitos, de quaisquer meios, ainda que não expressamente previstos na legislação processual penal’ e que ‘nesse sistema de liberdade probatória, a prova testemunhal é admitida sempre que a pessoa souber algo que interesse à decisão da causa e as razões da sua ciência permitam a avaliação de sua credibilidade”. 

E, acrescenta, que “por óbvio que não se pode apressadamente importar o instituto norte-americano, sem a observação das necessárias salvaguardas’’.

Afirma o relator que, “com efeito, compete ao magistrado fazer a necessária ponderação sobre a afirmação, buscando extrair-lhe a credibilidade necessária para que possa ser utilizada como prova no processo penal. Contudo, como regra, a declaração da testemunha – no caso específico, de vários colaboradores – pode ser usada para fundamentar um juízo condenatório se dela se puder retirar boa dose de credibilidade. Para além da palavra dos colaboradores, há testemunhas que não se beneficiaram de ajuste formal, cujos depoimentos são convergentes.

Essa é a essência, a propósito, do art. 203 do Código de Processo Penal, pelo qual deve a testemunha relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade. Traçando apenas um paralelo com o hearsay estadunidense, mas ressaltando os perigos da importação não criteriosa do instituto, Ana Lara Camargo de Castro diz: ‘ao fim, se nos Estados Unidos a regra pode ser flexibilizada por noções de justiça, relevância e confiabilidade, no Brasil a lei determina que poderá ser testemunha toda pessoa cujo depoimento interesse à decisão da causa e cuja credibilidade se extraia das circunstâncias ou das razões de sua ciência’”.

A promotora esclareceu que o artigo citado foi publicado na Revista da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região n. 6, em abril do ano passado e é fruto dos seus estudos de Mestrado em Criminal Law nos Estados Unidos, sendo, de fato, pertinente no contexto da Lava-Jato.

Ela informou que, antes desse julgamento, já fora referido em outras ações penais dessa mesma operação, como é o caso da Apelação Criminal n. 5045241-84.2015.4.04.7000/PR.

E complementou que “sem pretender adentrar em suscetibilidades de natureza política ou no teor do julgamento, que a mim não compete e, sim, às partes e aos magistrados do TRF4, os quais apreciaram detidamente o acervo probatório e as teses ministeriais e defensivas, parece-me importante que se entendam melhor no Brasil alguns institutos estrangeiros, porque, como escrevi nesse mesmo artigo, nem sempre a tropicalização resulta exitosa e muitos juristas se utilizam dessas definições sem entendê-las conceitualmente ou estudar suas peculiaridades e controvérsias no país de origem”.

O inteiro teor do voto está disponível no sítio do TRF4 e o artigo pelo link https://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/bzw_11_hearsay_tropicalizado.pdf