
Por Miguel do Rosário, publicado no Cafezinho:
O que outras pesquisas já vinham apontando, a Genial/Quaest confirma: o centro político do país definitivamente não engoliu a traição ao país praticada pela família Bolsonaro.
Eduardo Bolsonaro se autoexilou nos Estados Unidos e iniciou uma série de articulações junto à Casa Branca que resultaram numa chantagem espúria ao país. Para agradar ao novo calígula do norte, deveríamos sacrificar a independência do nosso judiciário e conceder anistia à bandidagem golpista.
O Brasil respondeu a essas ameaças da maneira mais elegante e mais firme possível: não, obrigado.
Além disso, os projetos do governo começam a se materializar: novos programas sociais, políticas públicas e entregas concretas. A inflação recua de forma consistente, com destaque para alimentos e energia, criando um cenário de estabilidade econômica e social. Esse ambiente ajuda a coesionar o campo da esquerda em torno de Lula, recupera o apoio das massas, e cria uma força gravitacional cada vez maior de atração sobre o centro.
O fenômeno contrário também se manifesta: a radicalização do bolsonarismo produz uma força de repulsão, afastando o centro político.
Esse processo de desgaste foi agravado pela movimentação do PL e de todo o campo bolsonarista em defesa de uma anistia aos golpistas de 8 de janeiro. A aprovação da urgência do projeto, votada na noite de 17 de setembro de 2025, reforça a percepção de que a direita radical segue priorizando a autopreservação da família Bolsonaro e de seus aliados. Trata-se de uma pauta impopular, sobretudo no centro, e que funciona como mais um fator de repulsão desse eleitorado em relação a candidatos ligados ao bolsonarismo. Do outro lado, o presidente Lula e seus aliados se colocam contra a anistia, assumindo uma posição de defesa da ordem democrática e atraindo esse segmento decisivo da opinião pública.
A força do centro

A pesquisa mostra uma sociedade dividida em cinco blocos principais: 18% se declaram lulistas (28 milhões de eleitores); 14% pertencem à esquerda não-lulista (22 milhões); 31% se identificam com o centro sem posicionamento (48 milhões); 21% com a direita não-bolsonarista (33 milhões); 13% com o bolsonarismo (20 milhões); além de 3% que não souberam ou não responderam (4,6 milhões). Essa divisão evidencia a polarização entre campo da esquerda e campo da direita, mas sobretudo destaca a existência de um centro numeroso, decisivo.
Quando perguntado “o que lhe dá mais medo hoje: Lula continuar ou Bolsonaro voltar?”, 50% dos eleitores de centro responderam que têm mais medo de Bolsonaro voltar, enquanto 29% disseram ter mais medo de Lula continuar. Em março de 2025, essa diferença era de apenas 7 pontos em favor de Lula, com 40% dizendo que tinham medo de Bolsonaro voltar contra 33% de medo de Lula continuar.

Entre os eleitores de centro, 46% dizem conhecer Lula e que votariam nele. Em comparação, apenas 15% afirmam que conhecem Bolsonaro e votariam nele. Em números absolutos, considerando os 155,9 milhões de eleitores aptos no Brasil, isso equivale a cerca de 36 milhões que poderiam votar em Lula no centro, contra cerca de 23 milhões para Bolsonaro.
No quesito rejeição, 64% dos brasileiros dizem que não votariam em Jair Bolsonaro — o que representa aproximadamente 100 milhões de eleitores. Já Eduardo Bolsonaro alcança 68% de rejeição, cerca de 106 milhões de eleitores. Entre os eleitores de centro, a situação dele é ainda mais grave: 75% afirmam que o conhecem e não votariam nele.

O caso Ciro merece análise à parte. Seu espaço político é muito limitado. A rejeição dele no campo conservador é imensa. Em 2024, Ciro apoiou o deputado bolsonarista André Fernandes para prefeitura de Fortaleza. Embora tenha tentado disfarçar, a imprensa descobriu que ele participava de reuniões de campanha, fazia ligações frequentes para André Fernandes, e seus aliados se engajaram ativamente na campanha do parlamentar. Esse “jogo duplo” prejudicou gravemente sua credibilidade junto ao eleitorado cearense.
Além disso, Ciro se envolveu num escândalo de violência política que obviamente será explorado por seus adversários assim que ele decidir se engajar em qualquer nova campanha eleitoral. Ele atacou com injúrias e termos misóginos a prefeita Janaína Diniz, de Crateús (Ceará). O processo já resultou em condenação e segue em andamento. Essa conduta contribui para intensificar sua rejeição não só no campo conservador, mas também entre eleitores de esquerda que esperam coerência e respeito institucional.
Essas ações tornam Ciro Gomes uma figura que se auto-neutraliza. Ele enfrenta rejeição imensa na direita e parece trabalhar para ampliar sua rejeição também na esquerda. É difícil enxergar futuro político viável nessa situação. A hipótese de uma candidatura ao governo do Ceará parece frágil, já que lhe faltam aliados sólidos e seu posicionamento político ambíguo mina ainda mais sua viabilidade.
Cenários eleitorais
Na pesquisa espontânea, Lula aparece com 18% — o que corresponde a cerca de 28 milhões de eleitores — contra 6% de Jair Bolsonaro (cerca de 9 milhões), 2% de Tarcísio (3 milhões) e 1% de Ciro (1,5 milhão). Isso significa que Lula tem três vezes mais eleitores espontâneos que Bolsonaro.

Nos cenários estimulados, Lula cresce tanto no primeiro quanto no segundo turno. No primeiro, aparece entre 32% e 43%, a depender do adversário. No segundo, Lula varia de 40% a 47%, sempre à frente. O adversário mais competitivo é Tarcísio, com 35%, embora isso seja possivelmente apenas um recuo tático. Ratinho aparece com 32% e Jair Bolsonaro com 34%, em cenários de segundo turno contra Lula. Eduardo Bolsonaro, em eventual disputa no segundo turno contra Lula, despencou para 29%, contra 47% do petista.


O dado mais importante, porém, é a tendência: enquanto Lula avança, todos os adversários recuam. O centro político, cada vez mais distante de Bolsonaro, aparentemente vê em Lula um polo de estabilidade econômica, respeito à independência das instituições e defesa da soberania nacional — motivo suficiente para votar nele.