Gil e a emoção no show de Paul McCartney, o gênio pop mais generoso do mundo

Atualizado em 17 de dezembro de 2023 às 13:36

A cena emocionante de Gilberto Gil cantando o coro de “Hey Jude” no show de Paul McCartney no Maracanã, tendo Macalé atrás filmando no celular, é antológica.

Os gigantes Gil e Macalé eram, naquele momento, fãs, como as outras milhares de pessoas que estavam naquele momento, naquele local, numa espécie de missa.

Reverenciavam o maior gênio da música pop vivo aos 81 anos, serelepe, tocando durante três horas para jovens, velhos e crianças.

Cinco décadas depois do fim dos Beatles, a banda mais influente de todos os tempos, ele está na ativa. Lançou recentemente um livro de memórias, “The Lyrics: 1956 to the Present”, e embarcou na turnê que passou pelo Brasil. Disse que considera aposentar-se como um prelúdio para a morte. Todo baixo distorcido no bom disco novo dos Stones.

Nascido em Liverpool em 1942, James Paul McCartney perdeu sua mãe, Mary, quando tinha 14 anos – uma experiência que fortaleceu seu vínculo com o igualmente enlutado John Lennon. Em 1957, McCartney se juntou à banda de skiffle de Lennon, The Quarrymen, que evoluiu para os Beatles.

Love Me Do é de outubro de 1962. Os oito anos seguintes foram uma ascensão que tragou e tornou amargos John Lennon e George Harrison. Paul era o trabalhador e virou o líder após a morte depois empresário Brian Epstein em 1967. Tentou manter o grupo unido até John terminar tudo em 1970 para fazer uma carreira solo com a insuportável Yoko Ono.

Teve depressão, gravou o primeiro disco tocando todos os instrumentos, recuperou-se do trauma com os Wings e com a mulher Linda, virou um hitmaker, foi enganado pelo ex-parceiro Michael Jackson, que comprou os direitos das músicas dos Beatles, e hoje é um monumento.

A morte de John Lennon em 1980 o transformou, de maneira injusta e absurda, num personagem secundário na trajetória da banda. Ele era o bobo alegre, Lennon o revolucionário atormentado, o verdadeiro motor da banda.

Paul acusou o golpe quando tentou, atabalhoadamente, inverter os créditos das canções para McCartney-Lennon em 2002. Ficou com fama de invejoso e ególatra.

O tempo se encarregou de dar-lhe o que merece. O autor de “Eleanor Rigby”, “Penny Lane”, “Let it Be”, “The Long and Winding Road”, “Blackbird”, “Helter Skelter” — e, sim, “Yesterday”, sem contar as que deixei de fora e que você deve ter notado — é amado mundialmente, entre outros motivos, por ser um “cara comum”.

No livro “Dreaming the Beatles”, o crítico Rob Sheffield chama atenção para o fato de ele não ser “torturado”, qualidade que antes não era cool, mas agora é. O apelo suicida de Kurt Cobain e Amy Winehouse está fora de moda. Paul é “família” sem fazer demagogia barata disso.

Linda, tecladista de sua banda, era apresentada como sua “gatinha” nas excursões no Brasil. Acompanhou-o até sua morte em 1998. Suas filhas estavam com ele no Rio. Cometeu diversas bobagens em sua carreira solo, mas nada que o comprometesse.

Envelheceu com dignidade, trabalhando com jovens produtores e arriscando algumas parcerias com melhor ou pior resultado. Compôs com Elvis Costello quatro bonitas canções presentes no álbum “Flowers in the Dirt”. O problema é: quem vai substituir John Lennon?

Ninguém, ele sabe disso, e hoje se entrega ao público em espetáculos com sua enorme generosidade, dando o que a platéia quer ouvir, a trilha sonora de sua vida.

Sua visão de mundo está nos versos da magistral “The End”, que fecha Abbey Road: “E no final o amor que você recebe é igual ao amor que você faz”. Ele disse que volta, e ele voltará, embora nunca tenha saído da mente e do coração de cada uma das pessoas que o viram e ouviram alguma vez, em qualquer lugar do mundo nas últimas seis décadas.