Bolsonarismo continuará com outro nome ou personagens, mesmo que Bolsonaro vá preso, diz Lenio Streck

O jurista fez suas considerações ao DCMTV

Atualizado em 12 de maio de 2023 às 22:05
Lenio Streck e Gilmar Mendes
Lenio Streck e Gilmar Mendes (Foto: Jacson Miguel Stülp/Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul/Wikimedia Commons)

O jurista Lenio Streck participou do programa DCM Ao Meio-Dia

Confira os principais trechos.

Gilmar no Roda Viva e o veto à nomeação de Lula à Casa Civil por Dilma

Esse é o momento de [Gilmar Mendes] reconhecer: “Eu fui equivocado” [ao suspender a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma].

Eu sou insuspeito do que falo pela minha relação com Gilmar Mendes e com todos do STF. A entrevista no Roda Viva foi brilhante, mas discordo de dois pontos. Um, quando ele diz que estava certo sobre ter algo de errado com a nomeação de Lula na Casa Civil de Dilma.

Outro ponto foi quando a moça do Valor perguntou por que o Supremo não declarou inconstitucional a PEC da Vergonha, que eu chamei de “PEC do Arrastão”. Gilmar disse que o STF ficaria encurralado com isso.

Eu até sei que é por isso, mas daria outra explicação. 

Lavajatismo é anterior à Lava Jato

A contaminação da Justiça de Curitiba é aquilo que está em nossos livros, que falamos todo tempo. É o ovo da serpente que estava na Lava Jato. O lavajatismo é o imaginário moralista brasileiro que fragiliza a política, fragiliza as instituições.

A Lava Jato caminha sobre as instituições que estão sedimentadas pelo lavajatismo. Eu venho falando isso e tem repercutido muito pouco. O lavajatismo é anterior ao começo da Lava Jato.

Se nós conseguirmos decifrar esse enigma, nós estaremos perto das explicações que ainda não temos. Isso permite que o Gilmar diga que as práticas engendraram o ambiente para um candidato como o Bolsonaro. É isso que ele quer dizer. 

Eu tenho um plus nisso. Quando eu digo que o lavajatismo é anterior à Lava Jato, é possível explicar esse fenômeno, que é mais global.

Algo não tendo apenas Curitiba como foco. É algo mais do que a operação sozinha. A operação sozinha não se sustentaria sem o imaginário lavajatista. 

Esse imaginário lavajatista gera o bolsonarismo. E é o bolsonarismo que permanece aí, mesmo com a queda de Bolsonaro.

Para entender o bolsonarismo precisamos saber de onde isso veio

O bolsonarismo vai continuar com outro nome ou com outros personagens, mesmo que Bolsonaro vá preso. Quando algo desse tipo se engendra na sociedade, a gente tem que prestar muita atenção.

Porque as rupturas não acontecem pela petrificação daquilo que engendrou. Você não consegue, simplesmente trocando de estação na rádio, de Bolsonaro para Lula, apagar tudo o que veio antes. Continua tão forte quanto.

E qual a nossa missão?

Explicar isso. Compreender isso. Senão vamos ficar discutindo argumentos periféricos. Estaremos perdendo o foco do principal. Bolsonaro, afastado ou preso, deixa o legado muito difícil de se apagar e de se superar. 

Para compreendê-lo, precisamos saber de onde surgiu. Esse é o ponto. O próprio Supremo, e a gente viu na entrevista do Gilmar, foi engambelado, querendo isso ou não.

Curitiba, meu amor

Uma das coisas mais escandalosas da República foi o vazamento do diálogo entre Lula e Dilma feito por Sergio Moro.

Mesmo se fosse legal, ele divulgou conversas da presidenta da República e transformou tudo num chinelamento. Pior ainda porque foi um ato criminoso. Temos que agir como grilos falantes para lembrar nossos ouvintes de que quase perdemos a democracia há poucos dias.

Temos que lembrar do valor da nossa democracia.

Então eu quero lembrar aqui da sessão que aconteceu naquela tarde no Supremo Tribunal Federal. Eu estava chegando no Rio de Janeiro e já tinha dado entrevista para uma rádio da Rússia e para BBC de Londres.

Conversei com o público estrangeiro sobre o escândalo que foi aquele episódio e achei que seria o fim do Moro, que aquilo era tão grave que aconteceu que se acabaria com a carreira dele.

Ao contrário. Aquilo fortaleceu a carreira de Sergio Moro e depois acabou resultando na prisão do próprio Lula.

Quero dizer aqui olhando no olho dos nossos teleouvintes: lembrem-se do que aconteceu às 14h45 daquele dia. A sessão começa atrasada um pouco do Supremo quando todos nós democratas e progressistas achamos que eles iriam dizer que foi uma esculhambação. 

E vimos o decano, Celso de Mello, esculhambar a presidenta da República. Por isso eu digo que o lavajatismo é anterior à Lava Jato. Digo que nós temos que prestar atenção nos detalhes.

O diabo mora nos detalhes.

É muito fácil entender o que o Gilmar disse no Roda Viva sobre Curitiba [segundo o ministro do STF, referindo-se à Lava Jato, “Curitiba tem o germe do fascismo”]. Por favor! O que o Gilmar está falando é que o maior autoritarismo dos últimos anos surgiu em Curitiba. Autoritarismo que quase deu um golpe de Estado.

É isso que o Gilmar Mendes quis dizer na entrevista, com o devido respeito às pessoas de Curitiba que se sentem ofendidas. Ele fez uma metonímia. Gilmar Mendes não quis ofender Curitiba.

É diferente de Moro e de Dallagnol. Recupero de Peter Sloterdijk citado por Zizek a “razão cínica”. É a inversão da frase original de Marx na “A ideologia alemã”, que é “eles não sabem o que fazem e continuam fazendo”. 

A inversão é que “eles sabem o que fazem e continuam a fazer mesmo assim”.

Veja a entrevista completa.

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