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Gilmar Mendes e a tagarelice no país dos Batmans do Leblon

Mendes

 

Houve um tempo, e não faz tanto tempo assim, em que ninguém sabia quem eram os ministros do Supremo Tribunal Federal. Talvez o STF fosse a mesma coisa, essencialmente. Mas havia uma certa aura de algo inatingível e de credibilidade.

Os juízes viraram estrelas, são reconhecidos nas ruas e falam o que querem, eventualmente fazendo acusações sem ter conhecimento do assunto, como qualquer mané.

Gilmar Mendes disse que o Ministério Público precisa investigar as doações aos condenados do mensalão. Que se investigue, sem dúvida. Mas ele foi além, sugerindo crime. “Essa dinheirama, será que esse dinheiro que está voltando é de fato de militantes? Ou estão distribuindo dinheiro para fazer esse tipo de doação? Será que não há um processo de lavagem de dinheiro aqui? São coisas que nós precisamos examinar”, afirmou.

“Há algo muito estranho. Há algo de grave nisso. E precisa ser investigado. E essa gente, eles não são criminosos políticos, não é gente que lutava por um ideal e está sendo condenado por isso. São políticos presos por corrupção, são coisas que precisam ser refletidas. A sociedade precisa discutir isso”.

Mas discutir é uma coisa e condenar por antecipação é outra. Gilmar não deveria, em nome da democracia e do bom senso, aguardar um parecer antes de levantar uma suspeita dessa gravidade? Não deve ser tão difícil rastrear as doações — se houver razões concretas para tanto, e não apenas encenação. Que tal o silêncio que o cargo deveria impor enquanto não há fatos concretos? Que tal, se lhe for perguntado, ele disser a verdade: “Não sei. Vamos apurar”

Num momento em que os ânimos estão absolutamente exaltados, ele não deveria servir como uma voz sensata e… justa? Gilmar Mendes julga sem conhecimento, na presunção da culpa? É mais um símbolo de uma instituição precipitada e encrenqueira.

É símbolo também da tagarelice generalizada. Do opinionismo. Da mania de acusar sem elementos suficientes. Dos justiceiros da fofoca.

A quantidade de irresponsáveis falando o que querem, ameaçando, mentindo, julgando, condenando e executando sem provas — em nome de “causas nobres” — é uma enormidade. Ninguém responde por nada. Basta apontar o dedo. A impunidade grassa. A quem apelar?

Os ministros do Supremo deveriam, em tese, ser o oposto dessa histeria. Mas é sempre bom lembrar que o Brasil é o país dos Batmans do Leblon.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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