Gilmar Mendes, o juiz da Lei Seca e Deus são a mesma pessoa?

Atualizado em 9 de novembro de 2014 às 20:07
João Carlos de Souza Correa, aka Deus
João Carlos de Souza Correa, aka Deus

 

O juiz que mandou prender a fiscal da Lei Seca porque ela ousou lembrar que ele não era Deus não é uma exceção, mas uma regra no Brasil. Nos últimos dez dias tivemos provas incontestes da onipotência e onisciência da categoria.

João Carlos de Souza Correa já havia se envolvido em outras encrencas e é sintomático que, até hoje, nada lhe tenha acontecido. Em dezembro de 2007, por exemplo, quis entrar no free shop de um navio de cruzeiro.

Diante da negativa do comandante, obrigado a declarar que as lojas atendiam apenas os passageiros, ele chamou a Polícia Federal. Naquela ocasião o estratagema deu errado — mas não é difícil supor quantas vezes Correa deve ter passado em branco com uma carteirada desse tipo.

Correa foi investigado pelo Conselho Nacional de Justiça por causa de decisões em processos sobre disputas de terra em Búzios. A mais grave das denúncias fala num favorecimento de um advogado numa disputa de terras. Sete anos atrás, ele ordenara a prisão de uma jornalista que escreveu uma carta aberta sobre seus desmandos no litoral fluminense.

A única palavra de solidariedade a Correa partiu da ex-mulher, Alice Tamborindeguy, advogada e ex-deputada estadual pelo PSDB, irmã de Narcisa Tamborindeguy, a coisa mais próxima da caricatura de uma socialite cabeça oca que pode existir.

O período eleitoral serve para que juízes aprovem benefícios em causa própria sem ser notados. Um desses casos foi o auxílio moradia de 1 bilhão de reais. São 4,4 mil por mês para cada um deles, independentemente, claro, de o sujeito já ter casa.

Numa participação no Jornal da Cultura, o desembargador José Roberto Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, deu uma resposta cândida sobre a premência da medida. “Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde”, disse, elencando dramas comuns a virtualmente todo brasileiro.

“Ele tem que comprar terno e não dá para ir toda hora a Miami comprar terno. Cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro.” O aumento é necessário para que o profissional “fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC”.

Curiosamente, essa montoeira de absurdos foi dita diante do âncora e do filósofo Luiz Felipe Pondé, que não mexeram uma sobrancelha. Pondé, especialmente, sorria como se lhe declamassem um poema. Se Nalini houvesse falado em “bolivarianismo”, talvez Pondé se ajeitasse naquela cadeira.

Coube a Gilmar Mendes mencionar numa entrevista à Folha o risco do STF se transformar numa corte bolivariana. Gilmar tem medo de que a instituição passe a “cumprir e chancelar” vontades do Executivo. “Isto tem de ser avisado e denunciado”, afirmou.

Gilmar é o oposto do que se espera de um juiz — ou exatamente o que se espera, dependendo do grau de realismo do espectador. Fala sem pensar, não mede consequências, ofende quem quer etc etc.

Faz isso porque sabe que não acontece nada. O doutor Correa está correto: eles são deuses. O presidente do TJ-SP resumiu a questão naquela conversa na televisão. “No momento em que a população perceber o quanto o juiz trabalha, eles vão ver que não é a remuneração que vai fazer falta: se a justiça funcionar, vale a pena pagar bem o juiz”.

Você não poderá pegar seu dinheiro de volta porque não existe onde pegar seu dinheiro de volta.