Gilmar Mendes revolta lideranças ao dizer que indígenas sobrevivem do ‘lixão’

Atualizado em 31 de agosto de 2023 às 23:57
Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Indígenas revoltados protestaram nesta quinta-feira (31) contra o que consideraram declarações “racistas”, “criminosas” e “mentirosas” do ministro Gilmar Mendes, durante votação do marco temporal das terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF).

Mendes afirmou que os povos originários têm “muita terra”, mas vivem “em penúria”. Ele defendeu ainda que as áreas sejam abertas a grandes empreendimentos, como a mineração, à revelia dos povos indígenas, que, segundo ele, vivem em situação de “penúria”.

“E aí geram essas lendas urbanas de que em toda área indígena tem minérios e riquezas minerais que não podem ser exploradas, quando poderiam ser exploradas”, opinou Gilmar.

O ministro alegou que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, levou os indígenas a comerem do “lixão” em Boa Vista (RR), já que os arrozeiros para quem eles trabalhavam foram expulsos após destinação da área aos indígenas.

Do lado de fora do STF, onde mais indígenas acompanharam a votação do marco temporal, lideranças reagiram com indignação à fala do ministro. Uma delas, Honestina Macuxi, de Roraima, chamou a fala de Mendes de “criminosa, preconceituosa e injusta”.

“É mentira quando ele fala que nós indígenas estamos morrendo de fome, catando lixo no lixão. Isso é uma grande mentira. Estamos trabalhando de modo sustentável recuperando a nossa mãe terra, que foi poluída pelos arrozeiros, fazendeiros e garimpeiros”, disse Honestina.

“É uma falta de respeito, porque ele não conhece a realidade da Raposa Serra do Sol. Nós recebemos as nossas terras e rios poluídos com agrotóxicos. A nossa mãe natureza totalmente destruída pelos garimpeiros, pelos fazendeiros e pelos arrozeiros”, prosseguiu a liderança Macuxi.

Mendes defendeu mineração na terra Yanomami

O ministro defendeu ainda a exploração de ouro na Terra Indígena Yanomami, na qual a exploração garimpeira provocou uma crise humanitária, com a morte de pelo menos 570 crianças por doenças tratáveis, e onde todas as lideranças indígenas se posicionam de forma enfática contra a mineração.

Gilmar Mendes afirmou que Yanomami estão em “situação de penúria” por não se beneficiarem economicamente da exploração do ouro.

“Quero repudiar em nome dos povos indígenas Yanomami quando o ministro diz que os indígenas estão garimpando lá, não apenas os brancos. Eles estão sendo aliciados”, rebateu Edinho Batista de Souza, do Conselho Indigena de Roraima (CIR).

Na Terra Indígena Yanomami, a contaminação por mercúrio de rios e igarapés impedem provocou severa insegurança alimentar e fez disparar os casos de desnutrição. Conforme já mostrou o Brasil de Fato, a falsa promessa de comida e bens materiais seduz jovens indígenas, que acabam aliciados por garimpeiros.

Ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Nelson Jr./SCO/STF

André Mendonça reclamou de consulta prévia aos indígenas

O ministro André Mendonça concordou com Mendes e disse que, quando era ministro de Jair Bolsonaro (PL), encontrou dificuldades para obter a concordância de indígenas para construir o linhão de Tucuruí, que vai integrar a rede elétrica de Roraima ao restante do país.

Vítimas de genocídio na ditadura militar, os Waimiri Atroari estão em processo de consulta prévia sobre o a obra. Durante a pandemia, as assembleias convocadas para informar os indígenas foram interrompidas em razão da pandemia de covid-19.

O Supremo é a corte responsável por garantir que as leis do país respeitem a Constituição Federal. A Carta Magna é inequívoca ao afirmar que as terras indígenas são de usufruto exclusivo dos povos originários e dá a eles o direito de consulta prévia diante de qualquer empreendimento econômico.

“Os povos indígenas sabem fazer isso [proteger a biodiversidade]. Se ele [Gilmar Mendes] não sabe, nós só queremos que ele cumpra a Constituição e respeite os povos indígenas”, Dinamam Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acompanhava a votação em Brasília (DF).

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