Globo e os jornalistas obrigados a se transformar em animadores de torcida. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 14 de junho de 2018 às 12:45
Apresentadores da Globo: segundo eles, os brasileiros estão superanimados

Faz só quatro anos. O adolescente de pés descalços, com a camisa rubro-negra, provavelmente de algum time de várzea da periferia de São Paulo, pinta guias e sarjetas de verde e amarelo. Era véspera da Copa do Mundo, e o jovem, Gabriel Jesus, já se destacava nas categorias de base do Palmeiras. Hoje ele está na Rússia, para disputar sua primeira Copa do Mundo.

Gabriel é um vencedor.

Pena que jovens da periferia já não estão mais tão entusiasmados com a Seleção Brasileira quanto ele quatro anos atrás, e ruas não estão sendo enfeitadas como antes. Para os brasileiros, esta será uma Copa do Mundo triste. Talvez a mais triste da história. Nas ruas, a cena contrasta com a empolgação forçada dos profissionais da Globo.

No Jornal Hoje da véspera da abertura da Copa, apresentadora e repórter se aproximaram perigosamente do ridículo ao mostrar a “empolgação” da torcida. “A Seleção Brasileira só vai entrar em campo no próximo domingo, mas em muitas cidade, aí no Brasil, a torcida já está superanimada”, anunciou a apresentadora Sandra Annemberg, direto de Moscou.

Em seguida, um desfile de clichês e imagens forçadas que, no máximo, despertam um sentimento profundo de vergonha alheia:

“Modéstia a gente não vê por aqui”, começa a narrar a repórter Renata Capucci. Uma entrevistada diz, com sorriso amarelo: “Esta rua está sempre assim, sempre alegre”.

Depois, segue-se uma sucessão de fake news, provavelmente um recorde: máquinas trabalhando a todo vapor para garantir as encomendas de camisa amarela, disputa em comércio popular para garantir “pelo menos um adereço verde e amarelo”.

“É tradição, é reunião, é curtição!”, conta a repórter, que acrescenta: “os moradores passaram noites em claro desde março, para fazer bonito na Copa.

A reportagem termina com a frase: “Confiança, a gente por aqui”.

A Copa do Mundo era talvez um momento único em que brasileiros se uniam de fato. Algo mudou, e talvez para sempre. Alguns podem dizer que é só esporte, não precisa ser levado tão a sério assim.

Errado.

O escritor e jornalista Nélson Rodrigues já dizia que a Seleção é a pátria de chuteiras, um patrimônio cultural, Marilena Chauí escreveu sobre o esporte e o considerou um espaço democrático privilegiado: com poucas regras, iguala a todos no conhecimento.

A diferença está na habilidade, mas isso não faz do jogador um ser superior. Mais ou menos como Gabriel na foto em que pinta a rua: os atletas em campo são a extensão de quem está fora, legítimos representantes.

No caso dele, uma situação privilegiada: passou da calçada para o gramado, da arquibancada para o vestiário.

Para infelicidade de Gabriel Jesus, o que mudou em quatro anos foi a alma do Brasil.

Mudança que pode ser mesurada pelo comentário de um vendedor ambulante do Recife. Entrevistado sobre o movimento da venda de camisas, ele disse que a camisa amarela encalhou, mas a azul tem saído.

A amarelinha da Seleção virou adereço de golpista ou manifestoche. De qualquer forma, uma peça que nos cobre de vergonha.

Gabriel Jesus quando apenas torcia
Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com