Globo ignora denúncias de fraude contra site de apostas que a patrocina enquanto mira a concorrente Blaze

Atualizado em 19 de dezembro de 2023 às 6:35
Logos da Globo, Betano e Blaze. Foto: Reprodução

Reportagem do Fantástico de domingo (18) revelou que a Justiça bloqueou milhões de reais nas contas da casa de apostas Blaze. A empresa, conhecida por seu jogo popular “Crash”, também chamado de “Jogo do Aviãozinho”, foi acusada de não pagar prêmios altos aos usuários, levantando suspeitas de estelionato.

Alguns apostadores relataram ganhos superiores a R$ 100 mil, mas enfrentaram dificuldades para sacar esses valores, pois a Blaze apresentava diversas desculpas para não efetuar os pagamentos. Como resultado, a Justiça congelou R$ 101 milhões da empresa e ordenou que seu site fosse desativado. Contudo, outros sites surgiram para manter a plataforma online.

Jogos de cassino são ilegais no Brasil por se tratar de jogos de azar. De acordo com a matéria, empresas, apostadores e divulgadores podem ser punidos pela prática. Isso porque os jogos iludem a vítima com a possibilidade do ganho, além de poder causar prejuízos como vício, depressão e ansiedade.

A denúncia ganha uma camada adicional de controvérsia, considerando que a Globo mantém uma parceria comercial com a Betano, uma concorrente direta da Blaze que também possui diversas denúncias de fraude, como bloqueios de saques, mudanças de resultados e limitações nas contas dos usuários.

A Betano, focada em apostas esportivas e utilizando cassinos de terceiros, tem forte presença nas transmissões esportivas da Globo, incluindo a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro. Essa parceria foi reforçada com um contrato milionário para exposição da marca no Jornal Nacional.

Resultados adulterados

O DCM apurou dezenas de relatos de clientes da Betano sobre abusos por parte da plataforma, desde bloqueios arbitrários de saldo até mudança de resultados de jogos online.

A empresa acumula mais de 18 mil queixas no Reclame Aqui desde 2020. Só nos últimos 6 meses foram 4718 reclamações. O score da plataforma de defesa do consumidor é classificado como regular, tendo passado por avaliações ruins nos 3 primeiros anos, inclusive em 2022, quando fechou contrato com a Globo. A média só aumentou após o acordo. De modo geral, somente 54.6% dos clientes voltaria a usar o site de apostas.

Nesta segunda-feira (18), muitas pessoas denunciavam apostas inicialmente vencedoras que não foram pagas ou uma adulteração em resultados que tira a vitória do cliente. Nenhuma reclamação foi respondida até a atualização da reportagem.

“Fiz uma aposta que deu mais de 1.5 gol e a aposta consta como perdida, quero meu dinheiro de volta, na verdade é pa eu ter ganhadado, isso está muito desagradel ter que ficar reclamando! Quero meu dinheiro!!!”, afirmou um usuário de Campinas (SP).  “Um jogo foi suspenso aos 86 minutos e simplesmente eles encerraram o jogo, e contabilizaram minha aposta como errada. Eu apostei que não teria 3 escanteios e como podemos ver no flash score não teve”, apontou outro de Chapecó (SC).

Um usuário de São José dos Campos (SP) fez um relato parecido: “Fiz uma aposta no jogo do Fluminense x Al-Ahly Cairo que daria mais de 0.5 gols no jogo inteiro e mais que 4 escanteios no jogo todo, fiz uma múltipla. Saiu o gol no jogo todo e também mais que 4 escanteios e a plataforma alterou a aposta que seria para sair gol só no primeiro tempo visto que não tinha saído. Foi muita sacanagem da plataforma. Estou muito insatisfeito”.

Em fevereiro deste ano, o jornalista Fernando Martines, do Portal do Bitcoin, também recebeu dezenas de e-mails com reclamações de clientes da casa de apostas. Um dos clientes que acusam a empresa é William, morador de Vitória (ES). Ele diz ter apostado R$ 61 mil em um jogo chamado Speedway, que é uma corrida virtual de motos. O cliente colocou o dinheiro na vitória do personagem Simon Rampling, que teria se sagrado vencedor. A aposta pagava 2.62; com isso, ele teria lucrado R$ 159 mil.

Em um primeiro momento, a aposta foi confirmada como vencedora em seus registros, mas pouco tempo depois o status teria sido alterado para uma derrota. “Abri chat para o suporte e eles alegam que o vencedor não foi o qual eu escolhi. Me enviaram um print com o resultado de um horário totalmente diferente da minha corrida e totalmente manipulado”, afirmou.

Print do Jogos Virtuais mostra que a corrida 45 teve como vencedor o corredor número 2, o personagem Simon Rampling. Segundo William, a Betano teria depois adulterado os resultados para colocar como vencedor o corredor número 4.

O apostador disse ter feito R$ 50 mil de lucro em um mês e que resolveu apostar alto para subir de patamar. Teria sido nesse momento a empresa teria adulterado o jogo e o deixado no prejuízo: “Eles colocaram como perdida a aposta, justamente porque eliminaria meu lucro do mês (50 mil) e ainda ficaria negativo em 10 mil. Em resumo, a casa só vence. A casa não aceita perder”. O cliente afirmou que depois de ter enviado e-mail reclamando da situação, teve sua conta cancelada.

Print do jogador mostrando que sua aposta se saiu vencedora.

Cash-out e saques 

O ato de encerrar a aposta para ganhar em cima da variação das odds, também chamadas de cotações, que são as probabilidades de um determinado valor pago em algum evento, desperta os olhos dos analistas das operadoras, que rastreiam sua conta e podem te limitar de maneira mais rápida.

Dar cash-out antes do evento acontecer é uma prática muito comum entre os apostadores. É lógico que isso é mal visto pelos serviços de apostas online.

“Realizei uma aposta no dia 15 de dezembro de 2023. No qual acertei todos os jogos, e no momento do último jogo rolando, a Betano me ofereceu uma proposta de realizar um CashOut com ganhos no valor de R$ 950,00. Realizei o Cash Out o valor apareceu na conta e ao atualizar a página, vi que o valor tinha sido estornado. Ao entrar em contato com o Chat/Suporte da Betano. Fui informado que a Betano não se responsabiliza por falhas no sistema. Com essa falha quem acabou ficando no prejuizo foi eu, pois eles estornaram meu valor considerando minha aposta nula. Solicito que seja revisto o caso e que o valor seja creditado conforme os ganhos”, contou um morador de Brasília (DF).

Relato de moradorde Tianguá (CE). Foto: Reprodução

Problemas com saques também são rotina. Um morador de Tianguá (CE) disse ter mais de 6 mil reais na conta, mas que não consegue fazer saques nem com valores baixos. “Faz mais de uma semana que venha entrando em contato com a Betano, já enviei comprovante de residência mandei uma selfie segurando o comprovante e mesmo assim minha conta está em analise tenho 6.700 pendente não consigo sacar nem 100 reais, Rafaela ficou responsável pelo meu caso porém não me deu nem um retorno”, afirmou.

Um cliente enviou um print que afirma ser de um erro na hora em que venceu uma aposta: “Joguei e deu erro ao sacar o dinheiro. O engraçado que só dá erro para receber. Quando perde, perde até antes do aviãozinho decolar. Tenho print de tudo, falei com eles no chat, e-mail. Eles respondem as mesmas coisas, como se fossem um robô copia e cola, só muda os nomes. No futebol também eles retiram cash out, até o jogo acabar, mas no jogo Ponte Preta X Guarani foi pior, porque eles travaram até a Ponte fazer o gol. Aí logo em seguida voltou cash out. Resumindo: nunca recebi nada, só perdi. Quando eu ganhei, não recebi. Falaram que iam me dar um bônus… plataforma só lesa as pessoas”.

Erro ao dar Cash-out na Betano. Foto: Reprodução

Limitações de contas

Outras casas de apostas online, como Sportsbet.io, Bet365, Sportingbet, Bet7 e tantas outras também colocam restrições aos usuários lucrativos. Essa, inclusive, é uma prática muito comum em casas de apostas esportivas recreativas.

As operadoras de sites de apostas online adotam uma estratégia de limitar a ação de seus clientes, especialmente aqueles que causam prejuízos financeiros para a plataforma. Essa medida é uma forma de controlar e equilibrar as operações do site, garantindo a sua estabilidade econômica e reduzindo o risco de grandes perdas financeiras causadas por apostadores altamente bem-sucedidos.

Sendo assim, quando um apostador é limitado, ele só pode apostar uma quantia muito menor, por exemplo, R$ 5 por jogo, ao invés de valores maiores habituais. Essa medida efetivamente restringe a capacidade do apostador de colocar grandes somas em jogo, protegendo assim a casa de apostas de potenciais prejuízos elevados.

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Limitação na Betano. Foto: Reprodução

Isso também é muito normal em cassinos físicos. Quando o cassino percebe que tem um jogador com muitos ganhos, gentilmente os seguranças da casa pedem a exclusão do cliente. Tanto cassinos físicos quanto virtuais, então, não têm interesse em manter um usuário que só traz prejuízo ao serviço.

A Betano, por sua vez, afirma que a limitação é temporária e pode ser revertida caso o usuário siga alguns passos, como fazer apostar em diversos serviços, como cassino online, futebol virtual e outros. Apostadores, no entanto, de acordo com relatos, não costumam ter a normalização da conta.

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Aviso sobre limitações de contas na Betano. Foto: Reprodução

Um apostador residente em São José dos Campos (SP) relatou ter sua conta limitada pela plataforma: “Venho aqui mostrar minha indignação com essa casa de apostas. Após várias vitórias seguidas (apostas ganhas), a Betano limitou as apostas no valor máximo de R$ 5,90, ou seja, a casa só está preocupada com o faturamento da empresa. Quando o cliente começa a ganhar, ou recuperar o que foi perdido, eles logo limitam os apostadores com receio de terem prejuízo. Gostaria de saber o real motivo dessa limitação, pois entrei em contato com o chat na central de atendimento e nada foi resolvido. Senhores, fiquem atentos a essas casas de apostam que só visam o faturamento e não estão nem aí para os clientes”. 

A estratégia na Globo

A concorrente da Blaze assinou um contrato milionário em setembro de 2022 para anunciar no Jornal Nacional. A presença da Betano na Globo, especialmente durante transmissões esportivas, levanta questões sobre a integridade das parcerias e a objetividade da emissora.

“A presença da Betano no futebol da Globo reforça a consistência de mensagem que estamos construindo, visando potencializar ainda mais a marca em 2023”, declarou Joana Chulam, diretora de mídia da Artplan, agência que fez a negociação da parceria e a estratégia de mídia. “Nada melhor do que usar o maior projeto de visibilidade da TV brasileira combinado com o alcance da Globo para dar ampliação a uma das maiores marcas do país”.

No preço de tabela disponibilizado ao mercado publicitário, são R$ 15 milhões por cada 30 dias. Ou seja, a Betano já teria pago R$ 225 milhões durantes os 15 meses de contrato com a Globo.

Licenças 

Um mês antes de fechar o contrato com a casa de apostas, clubes de futebol, federações e a Globo foram notificadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública de São Paulo (MJ-SP) pelos contratos de publicidade e patrocínio mantidos com empresas que exploram serviços de apostas esportivas. A notificação foi enviada em 30 de agosto para 54 entidades.

Todas elas tiveram 10 dias para responder. A iniciativa foi da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), que pretende apurar quais empresas formalizaram os contratos, sendo que a maioria possui sede fora do Brasil.

A Blaze, que não tem sede no Brasil nem representantes legais no país, alega que está sediada em Curaçao, no Caribe, e, portanto, suas atividades não se enquadram na legislação brasileira. A empresa dona da Betano é a Kaizen Gaming, uma organização sediada em Atenas, Grécia. Foi fundada em 2013 sob o nome de Stoiximan e desde então se expandiu para se tornar uma das maiores empresas de jogos de azar online da Europa.

Em 2019, a empresa mudou seu nome para Kaizen Gaming, mantendo suas marcas já existentes, incluindo a Stoiximan, em atuação na Grécia e Chipre, e a Betano, ativa em 12 países, nos continentes americano e europeu.

Na época, a Betano disse estar tranquila sobre o assunto: “A Betano, assim como outros operadores internacionais, acompanha o tema sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil e está disposta a contribuir com evolução positiva do mercado, que tem grande potencial no país”.

Já a Globo afirmou que não há ilegalidade: “É importante reiterar que as veiculações de campanhas de todos os nossos anunciantes respeitam as orientações do Manual de Práticas Comerciais da Globo, que consolida as melhores práticas, normas legais e éticas do mercado publicitário e atende às normas de autorregulamentação adotadas pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e pelo CENP (Conselho Executivo das Normas-Padrão)”.

A hipocrisia

A modelo Juju Salimeni, 37 anos, expressou sua insatisfação nas redes sociais ao detonar a TV Globo após ser mencionada na reportagem do Fantástico. A apresentadora, identificada como uma das influenciadoras que faz publicidade para a Blaze, rotulou a emissora como “hipócrita” e lembrou que a rede aceitou patrocínio de instituições semelhantes, como a Betano.

“Ai, gente! Apareci no ‘Fantástico’ pela primeira vez na vida! Mas grande mer**, eu nunca precisei da Globo para ser quem eu sou… Mas enfim, eu precisava falar”, iniciou Juju através dos stories do Instagram. “Eu não gosto de polêmica, não gosto de responder nada, mas o nível de hipocrisia dessa emissora é tão bizarro, que a gente sente necessidade de falar”, disparou a influencer.

Na sequência, Juju ainda ressaltou que acha “estranho” que a emissora cite apenas uma empresa ao denunciar as plataformas de aposta. Por fim, a apresentadora ratificou que a reportagem exibida pela atração dominical teria “segundas intenções”. “Interessante que eles colocaram a Blaze na matéria, disseram que é ilícito e fizeram várias acusações, mas a Pixbet pode ser patrocinadora deles… Eles podem divulgar diversas outras casas de aposta”, disse. 

Outros usuários no X, antigo Twitter, também denunciaram a hipocrisia da Globo. Confira a repercussão:

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Victor Dias, 23. Jornalista. Trabalha no DCM desde 2020. Amante de esportes, política, degustação de comidas, musculação, filmes e series. Gosta de viajar e jogar tênis nas horas vagas, além de editar vídeos e participar de campeonatos competitivos de FIFA, desde 2017.