Globo quer se apropriar da política econômica de Lula. Por Carlos de Assis

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 16:13
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante debate presidencial na Globo. Foto: Reprodução

O editorial do Globo desta sexta-feira, dia 4, adverte que “Governo Lula não deve ter uma nova licença para gastar”. E acrescenta, no tom autoritário e arrogante característico dos Marinho: “Eleição não foi uma autorização para criar despesas sem limite, nem para aumentar a carga tributária”.

Peço licença aos donos do Globo para sustentar a opinião oposta. Se há um recado claro das urnas é que as eleições vieram para afirmar a “licença para gastar” em projetos de interesse público, inclusive pela inclusão dos pobres no orçamento. Foi o que prometeu Lula em sua campanha, o que o povo aprovou e o que ele vai fazer.

Quanto à advertência adicional de que a eleição “não foi uma autorização para criar despesas sem limite, nem para aumentar a carga tributária”, trata-se de outra farsa das classes dominantes. Se tivéssemos uma política fiscal menos restritiva e estúpida, poderíamos de fato ampliar gastos sem criar tributos, recorrendo à Teoria Monetária Moderna. Mas isso seria injusto do ponto de vista distributivo, pois deixaria de fora da tributação os US$ 30 bilhões que os Marinho têm em paraísos fiscais enquanto outros milhões de brasileiros estão passando fome.

A ampliação do gasto público por simples criação de moeda é da essência da Teoria Monetária Moderna, quando o país dispõe de suficientes recursos internos como matérias primas ou insumos, ou pode comprá-los no exterior. Mas os neoliberais insistem em rejeitá-la. Não há nenhum risco inflacionário nisso. De fato, se o Estado brasileiro cria a própria moeda, e garante o valor da moeda com a tributação, ele não pode quebrar. Pode, sim, em certas circunstâncias, gerar inflação, mas isso apenas quando o déficit público se destina a financiar projetos ruins e improdutivos. Havendo planejamento adequado de investimentos bons o risco dos projetos cai, a produção/oferta ultrapassa a demanda, e não há desequilíbrio inflacionário. É assim que as economias crescem.

A obsessão contra o déficit público faz parte do principal mantra dos defensores da especulação financeira desenfreada, em tempos de globalização. O manejo do déficit pelo aumento da taxa de juros é a forma de alimentar o que chamo de “economia da especulação” em face da “economia da produção”. Quando, em nome do equilíbrio orçamentário, do superávit primário ou do teto de gastos o Estado gasta o que arrecada, ou até menos, retira-se dinheiro da economia, a produção cai, a taxa de juros tende a subir e o câmbio, a cair. O resultado é estagnação.

A situação oposta é quando se realiza um “saudável” déficit orçamentário. Ele ocorre quando esse déficit corresponde ao financiamento de bons projetos conduzidos direta ou indiretamente pelo governo. Esses bons projetos geram produção e oferta, e mais oferta atende aos requerimentos da demanda, contrapondo-se à inflação. É o mais antigo princípio da economia: a inflação é um desequilíbrio entre oferta e demanda, não um problema monetário, como sustentam os monetaristas e os neoliberais. Para estes, combater a inflação é reduzir a demanda e a quantidade de moeda em circulação, gerando desindustrialização e desemprego. Já para os desenvolvimentistas, combater a inflação é aumentar a produção e a oferta!

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J. Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)[2] e autor de mais de 20 livros.