Globo simula defesa da democracia ao criticar Bolsonaro e ignorar as lideranças do PT. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 20 de abril de 2020 às 1:00
Redação do JN: tem muita gente, mas falta jornalismo e inteligência: estrada aberta para o bolsonarismo

A Globo deu hoje mais uma demonstração de que não pratica jornalismo isento e, em razão disso, abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro. Ao tratar da repercussão do apoio de Jair Bolsonaro a manifestações que defendem a ditadura, publicou notas de vários políticos e ignorou o que disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e dois ex-presidentes da república, Lula e Dilma Rousseff.

Incluiu o tuíte de Fernando Henrique Cardoso, e do presidente do PSDB, Bruno Araújo.

Através do Twitter, Lula disse:

“A mesma Constituição que permite que um presidente seja eleito democraticamente tem mecanismos para impedir que ele conduza o país ao esfacelamento da democracia e a um genocídio da população.”

Dilma, por sua vez, comentou:

“Enquanto o surto da Covid-19 se acelera e aumentam as mortes no país, Bolsonaro assume abertamente a sua estratégia golpista, que busca implantar um governo ditatorial. Num ato na frente do QG do Exército em Brasília, atacou todos os Poderes da República e a democracia.”

Em outro tuíte, acrescentou:

“Nenhuma instituição do Brasil e nenhum democrata podem se omitir diante do autoritarismo explícito de Bolsonaro. Devemos nos unir contra esta ameaça de implantar o caos. E a Constituição mostra o caminho.”

A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT — o partido que tem o maior número de filiados no país, é o mais admirado segundo pesquisas e elegeu a maior bancada de deputados federais — se manifestou nesses termos:

“Num momento grave e de incerteza, o país assiste ao presidente da República ñ apenas romper isolamento como apoiar a volta do AI5 e escancarar suas ameaças à democracia. As Forças Armadas endossam o comportamento? E as demais instituições? Todos democratas precisam se manifestar”.

“Nenhuma instituição pode ficar inerte diante de Bolsonaro, sob pena de ser cúmplice de seu desafio ao país e à democracia. Congresso, STF, Ministério Publico, Forças Armadas, partidos políticos. Todos têm de reagir”, complementou.

Fernando Haddad, que recebeu mais de 47 milhões de votos na disputa com Bolsonaro no segundo turno, também foi ignorado pelo jornalismo da Globo.

Ele disse:

“O verme, mais uma vez, diz a que veio. Até quando os democratas suportarão tanta provocação, sem nada fazer? O dia do fora já chegou!”

Em sua defesa, a Globo poderá dizer que divulgou a nota do governador do Ceará, Camilo Santana.

Mas Camilo Santana, em razão das peculiaridades da politica em seu estado, tem posição que o aproxima muito mais da família Gomes (Ciro e Cid) em seu estado do que do partido a que é filiado, o PT.

Quando ele se manifesta, não é, necessariamente, a posição do partido que expressa.

A Globo deu voz a Flávio Dino, do PCdoB.

Ao ignorar o PT, menosprezou parte expressiva do Brasil, que inclui seus filiados e simpatizantes, além dos movimentos sociais com forte conexão com os petistas, em razão da origem: nasceram todos da luta comum contra a ditadura — que a Globo apoiou.

A Globo tem razões políticas e empresariais para se comportar dessa forma, mas, no fundo, ela prejudica seu público, faz jornalismo desonesto — o que é um contrassenso — se é desonesta, não pratica jornalismo.

Por isso, perde relevância e é difícil para os democratas defendê-la quando o bolsonarismo persegue seus jornalistas, e diz que a emissora é um lixo.

Se a Globo tenta equiparar o petismo ao bolsonarismo, comete um erro de avaliação que a deixa isolada. Não entendeu ainda que o PT sempre respeitou as regras do jogo, embora não abra mão de tentar avançar em sua agenda por mais democracia no Brasil?

Na última eleição, o DCM e outros veículos progressistas alertaram, juntamente com inúmeros formadores de opinião: a disputa no segundo turno era entre civilização e barbárie, e era preciso se posicionar ou, no caso, pelo menos praticar jornalismo isento.

Será que já não viu que hoje vivemos uma situação de barbárie, em que o presidente defende abertamente, com apoio de seus seguidores, uma política genocida?

Se eleito, Haddad faria algo equivalente? Óbvio que não.

Mas o que fez a emissora da família Marinho na eleição de 2018? Facilitou a vida de Bolsonaro ao não realizar o debate na véspera da eleição, como sempre fez. Bolsonaro, unilateralmente, decidiu que não debateria com Haddad, escolhido pelos brasileiros para a disputa no segundo turno.

Também foi no caminho oposto ao veículos do mundo inteiro: entrevistar Lula, o presidente que terminou seu mandato com maior índice de aprovação da história do Brasil: 87% de ótimo ou bom.

A Globo, pelo contrário, comportou-se como comissária de polícia da Lava Jato.

No caso do debate, a Globo poderia fazer como de hábito: manter o convite a Haddad e reservar uma cadeira para Bolsonaro. Se ele não comparecesse, ficaria vazia.

Em vez disso, exibiu um filme para entreter os brasileiros na véspera de um evento tão importante para a democracia.

Por essas e outras, se entende por que o Brasil está neste labirinto em que Bolsonaro, do alto da caçamba de uma caminhonete, ri, coça o nariz, talvez cuspa e estimula suas milícias a se manterem como tropa antidemocrática, que se considera no direito até de caçar jornalistas da emissora na rua.

Que falta de inteligência do jornalismo da Globo…