Globo vai para o tudo ou nada e culpa o PT pela crise que ela ajudou a provocar. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 5 de março de 2018 às 10:10
A jovem que perdeu tudo com a crise

A Globo publicou no Fantástico deste domingo uma reportagem de 14 minutos para mostrar os brasileiros que mais sofreram com a crise econômica que se abateu sobre o país desde 2104.

Até aí, nenhuma novidade.

Mas, à medida que a reportagem avança, percebe-se que não é exatamente um trabalho jornalístico. É propaganda. Propaganda contra Lula e o PT.

A reportagem é estranha do começo ao fim.

Para começar, é uma reportagem sem repórter, isto é, não é mostrado um jornalista em campo para apresentar os entrevistados e conduzir as informações. Ela foi feita por dois produtores, e a narração é dos apresentadores do Fantástico, Tadeu Schimidt e Poliana Abritta.

Este é o modelo clássico que revela o dedo do padrão e preserva a imagem dos repórteres.

Com um minuto, diz a que veio. Aparece Sérgio Firpo, professor de Economia do Insper (a escola do investidor Jorge Paulo Lemann), que dá a primeira cacetada:

— Depois de uma série de políticas desastrosas de 2010 a 2104, o Brasil passou a viver uma recessão muito forte. Foi uma das piores crise, senão a pior crise que o País já experimentou.

A apresentadora Poliana Abritta toma a boca do professor emprestada para dizer o que a Globo quer:

— As políticas que, segundo o economista levaram o País à recessão foram no último ano do governo Lula e no primeiro governo Dilma Rousseff, ambos do PT, que culminaram no forte abalo econômico de 2014 a 2016.

Fantástico!

Mas tem mais:

A reportagem mostra uma jovem que, em setembro de 2014, vivia seu melhor:

—Eu tinha tudo. Estava numa vida boa e do nada eu me vi no meio… de noite, debaixo do sereno e numa praça…

Ela era vendedora de uma loja em shopping, onde começou a namorar o segurança. Juntos, ganhavam 3 mil reais.

A reportagem mostra os dois tomando cerveja com amigos, em shows e ela, em aula de dança.

— Durou pouco — diz Poliana. Da vida de classe média à pobreza, foram apenas dois anos.

A jovem informa:

— Aí eu fui mandada embora e ele foi mandado embora também.

Os dois hoje vivem de revirar lixo — e a reportagem mostra — para procurar latinha.

Tadeu Schimidt narra, com base na língua da professora da UFRJ:

— A professora Lena Lavinas diz que quem mais se prejudicou foi quem mais se beneficiou com o crescimento rápido da economia, ocorrido entre 2004 e 2013.

Isso é fato. Mas o texto lido pelo apresentador trata de reforçar o que pensam os donos. Foi “nos mesmos governos do PT que depois provocariam a crise que o País atravessa”.

Fantástico outra vez!

Diz a professora:

— As pessoas que primeiro perderam o emprego foram aquelas que, primeiramente, mais se beneficiaram durante o período de crescimento recente que tivemos. Foi um crescimento de empregos de má qualidade.

Os apresentadores do Fantástico colocados para revirar o lixo para encontrar algo contra o PT

Aos 11 minutos, Poliana continua:

— A professora da Federal do Rio adverte que o crescimento não gerou uma classe média maior e sólida.

A professora, Lena Lavinas, complementa:

— Nós não tínhamos uma classe média como quiseram fazer crer.

A reportagem mostra duas mulheres chorando: a ex-vendedora do shopping e outra, que conta:

— Foi aí que comecei a pedir esmola.

Embora com forte apelo sensacionalista, a reportagem apresenta fatos indiscutíveis, mas transforma a reportagem em propaganda quando não apresenta outros aspectos da crise:

Quem perdeu a eleição em 2014 inviabilizou o governo Dilma Rousseff, com a discussão no Congresso de uma pauta que paralisou investimentos.

Depois, emparedou a presidente reeleita com a ameaça do impeachment.

Quem não se lembra da pauta-bomba que Eduardo Cunha colocou sobre a mesa da Câmara dos Deputados?

Nessa crise, não se pode descartar também o ambiente criado pela Lava Jato, que transformou o Brasil numa plataforma defeituosa da Petrobras.

Nada disso prosperaria se a Globo não abrisse sua programação para divulgar, com estardalhaço, um lado da história, a dos que queriam tirar o PT do poder.

Fez um jornalismo de guerra, uma campanha para derrotar adversários.

Por fim, o governo Temer, com sua política recessiva e sem credibilidade para liderar uma mudança de expectativa — em 2008, a declaração de Lula de que a crise era uma “marolinha” foi uma injeção de ânimo

O governo Dilma Rousseff tem, com certeza, sua parcela de responsabilidade na crise, ao capitular diante dos algozes e aceitar o argumento de que a corrupção era o grande mal a ser combatido.

No Brasil, a desigualdade social é a praga. O mais decorre disso.

Joaquim Levy no Ministério da Fazenda não foi a escolha mais feliz, pelo que representou: o reconhecimento da fraqueza do governo de Dilma.

A manutenção de José Eduardo Martins Cardoso no Ministério da Justiça pode ter sido outro erro político, num momento em que era preciso fazer o enfrentamento.

São eventos que a história jugará.

Mas daí a responsabilizar o PT pela crise econômica que jogou os brasileiros mais fracos no abismo vai uma distância gigantesca.

O brasileiro tem na memória os anos de prosperidade nos governos de Lula e também no de Dilma, e é essa memória que explica, em grande parte, a liderança do ex-presidente nas pesquisas.

No Fantástico, a Globo não fez jornalismo. Fez propaganda. E vem mais por aí. Neste ano de eleição, está difícil para os golpistas tentar viabilizar um projeto e, principalmente, um candidato que tenha a preferência do eleitor.

A Globo vai tentar jogar toda a culpa da crise no PT. E apoiar qualquer um que tenha chance de derrotar o PT.

Só que a emissora está subestimando o brasileiro. Em geral, ele sabe com quem pode contar, e não é com a Globo.

Os interesses da Globo são vários, e não é o do Brasil.

A baixaria só está começando.

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