Governo Bolsonaro criou a Gestapo com letras tropicais. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 31 de julho de 2020 às 14:51
André Luiz de Almeida Mendonça ao lado de Jair Bolsonaro durante live

A deturpação de virtudes é marca indelével do governo Bolsonaro, que desde o seu primeiro dia tenta destruir a reputação de intelectuais, artistas, professores e tantos mais. Nem se fale de esquerdistas e comunistas imaginários. Não se pensava, contudo, que antifascistas cairiam no balaio de perseguidos de forma não apenas retórica, mas concreta.

O dossiê elaborado pela obscura Seopi (Secretaria de Operações Integradas), órgão do Ministério da Justiça, listando agentes de segurança pública e “formadores de opinião” de posicionamento antifascista é chocante. Uma espécie de lista negra, à moda daquelas elaboradas pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), instrumento da ditadura militar de triste memória.

Ou pior:

“Um horror! Estamos reescrevendo a Gestapo com letras tropicais”, indigna-se o advogado criminal e procurador de Justiça aposentado Roberto Tardelli.

“A investigação estatal, a atividade de inteligência, só pode ocorrer quando existir concreta possibilidade de cometimento de crime. Não é o caso que está acontecendo”, adverte o advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional.

“Há que se fazer uma análise para ver se a ação caracteriza crime, mas com certeza caracteriza ato de improbidade, porque há gastos públicos com funcionários, horas de trabalho etc, para a realização de uma tarefa ilegal”, observa Serrano.

Ao instituir o habeas data, lembra o jurista, a Constituição Federal estabelece o direito de as pessoas não terem aspectos subjetivos seus (orientações política, ideológica, sexual, por exemplo) gravados ou mantidos em bancos públicos de informação.

Desnecessário indagar se fascistas também estão sendo relacionados pelo governo. A pergunta que todos fazem, aberta ou reservadamente, é se o presidente da República sabia, autorizou ou participou de alguma forma da confecção da lista de antifascistas.

Para tal questionamento, Roberto Tardelli apresenta o seguinte raciocínio comparativo:

“Se estivéssemos no governo Lula – e isso não é brincadeira ou pilhéria -, eles (os bolsonaristas certamente; e talvez boa parte da imprensa) não teriam dúvida em dizer que o Lula sabia. E que, sabendo, deveria mover sua estrutura para impedir que aquilo acontecesse, ainda que não existissem provas de que ele soubesse que seu ministro estava ali coletando informações, dossiês, mirando pessoas inconvenientes ao governo.”

Perante um governo que enxerga o antifascismo como inimigo, deduz-se que seus aliados sejam os fascistas. Mas o raciocínio lógico não prova coisa nenhuma, nem a responsabilidade do presidente, por mais que ela pareça natural.

“Para que haja envolvimento concreto do presidente nessa história, é preciso que uma ordem tenha partido pessoalmente dele. Não bastaria que ele soubesse, tivesse uma ideia. Ele manipulava? Ele dava ordens para que isso fosse alimentado?”, indaga Tardelli.

E conclui:

“Se houver tais provas, eu não tenho dúvida de que o presidente terá cometido um crime de responsabilidade dos mais graves.”