Governo Bolsonaro não trata da conta de luz na privatização da Eletrobras

Atualizado em 17 de junho de 2021 às 16:44

Em votação no Senado nesta quinta-feira (17), a medida provisória do governo Bolsonaro para privatizar a Eletrobras não leva em conta os desafios que o país terá de enfrentar para a transição energética, não aporta os impactos sobre a tarifa de eletricidade, além de ignorar o valor dos reservatórios como fontes de armazenamento e flexibilidade. O alerta foi feito pela economista e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Clarice Ferraz.

Nesta semana, em audiência realizada na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, a especialista diz que é extremamente prejudicial não levar em conta esses fatores ao propor a entrega da Eletrobras para o capital privado. “Nós precisamos combater esta falsa ideia, pois não é uma questão ideológica. Os dados nos mostram. Na prévia discussão de privatização não há investimentos em nível adequado. Os investidores preferem comprar ativos que já estão prontos e, inclusive, vender a sua eletricidade a preços elevados em ambientes de escassez. Não há investimentos privados em novos empreendimentos que são estratégicos, quando há este ambiente de incerteza; e aqui, a incerteza é total”, criticou.

Para ela, o governo Bolsonaro está querendo implantar no Brasil o modelo desastroso do setor elétrico no Texas. O sistema elétrico texano é isolado do restante dos EUA, ou seja, ele não pode exportar energia e também não pode receber energia de outros estados em momentos de crise, como os blecautes que têm ocorrido neste ano. Além disso, o Texas usou o fato de ser uma Unidade com autonomia para fazer uma grande desregulamentação no seu setor, reduzindo a capacidade do estado de obrigar as empresas a seguirem padrões de manutenção, segurança, de investimento em novas fontes renováveis, entre outras medidas.

“O projeto alternativo, sem abrir mão do controle da Eletrobras, e repensando o setor elétrico, é justamente irmos pelo nosso caminho natural, como foi feito quando da criação da Eletrobras. Integrar esse país, sabendo tirar partido dos seus recursos naturais. A gente tem que expandir as nossas energias renováveis. A gente consegue regularizar isto com nossos reservatórios e as nossas linhas de transmissão, que precisarão ser modernizadas”, defendeu a especialista.

Clarice Ferraz economista e diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina) l Foto: Reprodução do Youtube)

Problemas

Na avaliação da especialista, existe um problema quando se está falando de privatizar a estatal associando a uma expansão de base fóssil. “A gente está carbonizando nossa matriz ao longo desses anos. Se o modelo me leva a fazer isso, existe um problema nesse modelo. Porque eu estou no país que tem maior abundância de água doce, contém um dos melhores índices de insolação e, também, os parâmetros de vento”, diz.

O projeto colocado pelo governo, diz a especialista, “utiliza base hidráulica, complementando com fóssil, o que não ajuda a preservar os reservatórios”. “Pelo contrário, estamos com preços caros e reservatórios vazios. Além disto, propõe a liberalização. Então, estaríamos em um mercado liberalizado, carbonizado, com dependência tecnológica e tarifas altíssimas”, completou.

Investimento

Clarice Ferraz defendeu o fortalecimento da Eletrobras com investimentos públicos. “Fazendo esse projeto, nós teremos uma tarifa muito mais barata. Nós teremos um setor que é coordenado, que mitiga riscos, que compartilha riscos, que traz uma energia descarbonizada e com tecnologia nacional. Os impactos da crise do covid-19 e pós-covid-19 mostram que justamente é preciso de intervenção estatal para poder ter uma atuação contracíclica. É uma série de políticas industriais e energéticas a serem elaboradas. O nível de investimento que se retraiu, por conta da crise, precisa ser redinamizado. E para se reverter esse ciclo, é preciso que haja gasto em investimento público, e que esse gasto em investimento público seja colocado nas áreas corretas. Em eficiência energética e, justamente, na integração de novas energias renováveis, que são grandes setores geradores de empregos […] já que nós estamos vivendo uma crise econômica tão grave”, argumentou

A especialista se referiu as medidas do governo anunciadas na terça-feira (15) para conter o uso de energia. “Não é um pico de verão ainda, estamos em junho e o que aconteceu? Houve um novo pico de preços devido ao calor e já o regulador pedindo para as pessoas consumirem menos, tomarem cuidado e tirarem os aparelhos da tomada. Então, é você deixar toda sua economia completamente exposta ao clima, que vem acontecendo com um padrão indeterminado e com eventos cada vez mais extremos. A gente ir para um mercado livre nesse ambiente de total incerteza, sem saber o que acontece, a gente fica completamente exposto a esse tipo de variação, que é capaz de destruir empresas, levar à falência e promover a morte”, ressaltou a Ferraz.

Modelo

O texto da MP 1.031/2021, aprovado na Câmara dos Deputados, que agora está sob análise do Senado, prevê a desestatização da Eletrobras por meio da oferta de ações da companhia na Bolsa de Valores. Assim, o Estado brasileiro, detentor de 58,71% da companhia, transferiria o controle da empresa ao capital privado e estrangeiro. Além disso, o governo propõe a renovação de contratos com usinas térmicas e antigas – a preços elevados – e a compra, pela União, de 6.000 MW de energia de termelétricas movidas a gás natural.

Publicado originalmente no Vermelho