Grandes Personagens da Literatura: Vautrin, o canalha total de Balzac, é o sexto da lista

Atualizado em 9 de janeiro de 2013 às 13:14

 

Uma ilustração antiga de um livro da Comédia Humana mostra a prisão de Vautrin

Como chamá-lo? O personagem de Balzac que entra em nossa lista teve, durante a Comédia Humana, muitos pseudônimos. Seu nome verdadeiro era Jacques Collin, mas foi chamado de padre Carlos Herrera, Vautrin (que é provavelmente seu nome mais conhecido) e Engana-Morte, apelido que recebeu por ter escapado da morte.  Vautrin é um dos mais formidáveis canalhas já criados por um romancista.

Vautrin já havia aparecido em Pai Goriot, mas em um papel sem o destaque merecido. Seu ápice é em Ilusões Perdidas, embora só apareça nos capítulos finais. Conhece o protagonista Lucien de Rubempré quando este está prestes a se suicidar, se apresenta como padre Carlos Herrera e o convence a mudar de ideia. Toma Lucien como aprendiz e protegido e lhe dá uma “aula de história para uso dos ambiciosos por um discípulo de Maquiavel.”

“Não veja nos homens, e sobretudo nas mulheres, mais que instrumentos, mas não os deixe perceber isso”, diz Vautrin ao discípulo, pobre e ambicioso. “Adore como ao próprio Deus aquele que, em posição mais alta que você, pode lhe ser útil, e não o largue até que ele tenha pago muito caro sua servidão. Enfim, no comércio do mundo, seja áspero assim como o judeu: faça pelo poder tudo o que ele faz pelo dinheiro. E também: preocupe-se com o homem em desgraça tanto quanto como se ele nunca tivesse existido.”

O diabólico Vautrin afirma que Lucien, não tendo nada, se encontra na situação de Richelieu ou Napoleão no início de suas ambições; estes avaliaram que o para terem um futuro brilhante deveriam se valer de armas como a ingratidão, a traição e as mais violentas contradições. “Quem quer tudo deve ousar tudo”, afirma o vilão. Sua intenção em relação a Lucien é relativamente honesta: “Eu me realizarei em você (…) Quero amar minha criatura, moldá-la, formá-la para meu uso, a fim de amá-la como um pai ama o filho. Andarei em seu tílburi, meu rapaz, irei alegrar-me com seu sucesso junto às mulheres, direi: Este belo rapaz, é meu!”

Vautrin ressurgiria com destaque no que é uma espécie de continuação de em Ilusões Perdidas: Esplendores e Misérias das Cortesãs. Aqui, Vautrin usa Esther Van Gobseck, a bela amante de Lucien, uma cortesã renomada, para atingir seus propósitos em relação ao futuro de seu protegido. Obrigada a dormir com um homem por quem sente repulsa, Esther se mata. A carta de suicídio de Esther não é encontrada,  e então Vautrin e Lucien de Rubempré são presos sob acusação de assassinato, visto que eram os beneficiários no testamento da moça, que lhes deixou a fortuna que ganhara ao vender o corpo.

Na prisão, Lucien acaba traindo Vautrin. Para salvar sua pele, declara que o padre que o acompanha é o temível Engana-Morte. Depois, entra em desespero ao saber que Vautrin fizera de tudo para salvá-lo. Palavras do narrador:“Tudo que Jacques Collin havia salvado com sua audácia, Lucien de Rubempré havia posto a perder por sua falta de reflexão e de inteligência (…) Lucien percebeu que acabara de menosprezar, em detrimento próprio, a lei da solidariedade e da gratidão que o obrigava a se calar e a deixar Jacques Collin defender-se; pior do que isso, ele o havia acusado.” Lucien, em mais uma demonstração de sua descomunal fraqueza de caráter, se mata.

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Antes disso, escreve uma carta na qual expressa tanto sua admiração como seu desprezo pelo sedutor e persuasivo Vautrin. Coloca-o entre aqueles que, “dotados de um poder imenso sobre as almas tênues, as atraem e as esmagam”. Lucien termina sua carta com uma despedida grandiloquente:         “Adeus, então, grande estatueta do mal e da corrupção, adeus ao senhor que, no bom caminho, teria sido mais do que Richelieu (…) Não sinta pesares por mim; meu desprezo por você era tão grande quanto minha admiração.”

Um dos maiores manipuladores da história da literatura, um ser amoral que espalhou corrupção em tudo e em todos que tocou, Vautrin tem um final feliz – e isso conta muito sobre a grandeza de Balzac como romancista. Balzac não se rendeu ao clichê tão dominante em seu tempo segundo o qual o vilão é castigado exemplarmente. Vautrin não só recebe os trezentos mil francos que Lucien lhe legou em seu testamento como, admitindo ser realmente Jacques Collin, se oferece para exercer a profissão de informante do promotor de justiça e tem sua oferta aceita. E assim termina Esplendores e Misérias das Cortesãs, com uma pequena nota: “Depois de ter exercido suas funções durante cerca de quinze anos, Jacques Collin se aposentou em torno de 1845.”

Como gosta de escrever meu pai, clap, clap, clap para Balzac. E para o monstruoso Vautrin. De pé.