Grupo católico talibã que pede censura do Porta dos Fundos é bolsonarista, ganhou apoio de Flávio e tem deputada no PSL

Atualizado em 8 de janeiro de 2020 às 19:57
Chris Tonietto (PSL-RJ), do Centro Dom Bosco, com seu ídolo Jair Bolsonaro

Censura.

A Justiça do Rio de Janeiro determinou que a Netflix retire do ar o especial de Natal do Porta dos Fundos.

A decisão é do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível, atendendo  um pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.

“Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida”, escreveu o magistrado.

Sim, inacreditável.

Mas, de novo, é o Brasil de Bolsonaro.

O grupo, ou o canal de streaming, vai recorrer e vai ganhar. O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, já se manifestou contra o absurdo.

De qualquer maneira, apenas o fato de uma liminar como essa ter sido expedida é sinal dos tempos trevosos.

O tal Centro Dom Bosco, CDB para os íntimos, é uma excrescência fundamentalista surgida com o detrito da extrema direita que deu no nosso litoral nos últimos anos.

São, como não poderia deixar de ser, bolsonaristas.

A deputada Chris Tonietto (PSL) é a grande estrela da coisa.

Aos 28 anos, advogada, ela assina um projeto de lei defendendo o fim do aborto seguro para mulheres estupradas, algo garantido desde a era Vargas.

Antifeminista, foi beneficiada pelo investimento obrigatório de dinheiro público em candidaturas femininas.

Garante que é preciso “reconhecer Cristo como rei de nosso país”.

Como isso é impossível, ela e os amigos se contentam com Jair e sua turma da pesada.

Seus mentores são Olavo de Carvalho e o padre olavo-bolsonarista Paulo Ricardo, um Torquemada que dá cursos online sobre como combater o comunismo, acredita que “nossas universidades todas estão infiltradas de gramscismo” e ama uma pistola quente.

A revista Época deu um alentado perfil do CDB em agosto de 2018, de autoria de Paulo Assad.

Alguns trechos:

Combativos e altamente críticos a qualquer traço do que chamam de “marxismo” dentro da Igreja Católica, o CDB se filia aqueles chamados de “catolibãs”, como os integrantes de alas ultraconservadoras da Igreja são chamados por suas contrapartes progressistas. Seu objetivo é a “recristianização do Brasil” e o fim do estado laico. (…)

Localizado em um prédio no centro da cidade, vizinho de termas e floriculturas, o Centro Dom Bosco foi fundado há pouco menos de dois anos. Como a decoração quase franciscana da sala de aulas sugere — paredes nuas, cortinas beges pesadas e sem graça —, o grupo vive de doações.

Pioneiro no seu formato de think tank religioso, é um espaço de cursos diários. Todos, evidentemente, relacionadas ao catolicismo, de latim a canto gregoriano. Com um de seus membros pré-candidata a deputada federal pelo PSL do Rio de Janeiro e grupos irmãos ao redor do país, a associação de leigos vem acumulando processos judiciais, brigas com universidades e setores liberais da Igreja. (…)

Transmitida para 6 mil pessoas via streaming através de um equipamento mambembe, a aula daquela quarta-feira foi ministrada pelo professor Carlos Nougué, tradutor de carreira e um dos gurus do CDB. Admirador do primeiro-ministro húngaro, o nacionalista Viktor Orban, e apesar de não se considerar nem de esquerda nem de direita, Nougué recheou sua palestra com referências capazes de completar uma cartela de bingo da alt-right.

Entre menções a George Soros — o bilionário inimigo número 1 da esquerda nos anos 90 convertido em nêmeses da nova direita — e críticas à União Europeia — nas suas palavras, “pior que a União Soviética” —, manteve a plateia atenta enquanto discursava por mais de uma hora acerca de teologia, encíclicas papais e os evangelhos. (…)

Como cruzados em uma guerra santa, batem de cabeça com todos que julgam ameaçar sua fé. A lista é longa e, fora o tempero religioso, segue à risca a receita da nova direita: artistas, humoristas, esquerdistas, professores ‘doutrinadores marxistas’, padres adeptos da Teologia da Libertação, defensores do aborto, da ideologia de gênero e de Paulo Freire.

“Humoristas acham, dentro das cabecinhas ocas deles, que podem falar qualquer coisa. São humoristas com muitas aspas, querem, na verdade, converter todos ao ateísmo e as ideologias de esquerda”, disse Affonseca, referindo-se à primeira briga do CDB a render páginas de jornais. No caso, um processo aberto contra a produtora Porta dos Fundos, em 2017, por conta dos vídeos satíricos “Ele está no meio de nós” e “Céu Católico”.

Sob a acusação de vilipêndio de culto e ataque a liberdade religiosa, o CDB pede R$ 1 por cada visualização, totalizando mais de R$ 5 milhões. (…)

Meses depois, numa manhã de sexta-feira, dois dias após a execução da vereadora Marielle Franco, os jovens do CDB encontraram seu próximo alvo. Há tempos já vinham com o projeto de lançar o jornal “O Universitário”, com a perspectiva de ser uma espécie resistência católica dentro das universidades brasileiras — dominadas, eles dizem, por doutrinadores marxistas. O lançamento do panfleto, comemorado com uma distribuição gratuita na porta da PUC-Rio, não saiu como planejado.

Graças às manchetes como “Não é preconceito, é biologia” e “Jair Bolsonaro parece ser o favorito em 2018”, além de uma entrevista com o controverso filósofo Olavo de Carvalho, foram recebidos aos gritos de “fascistas” e “genocidas” por alguns alunos da instituição.

O que começou como intimidação verbal evoluiu para agressão física. Os membros do CDB presentes — entre eles, pelo menos dois alunos da PUC-Rio — tiveram os jornais arrancados de suas mãos e rasgados.

Em meio ao empurra-empurra, logo interrompido pelos seguranças do campus, um deles teria recebido tapas no rosto. “A Marielle foi assassinada por caras que esse maluco (o pré-candidato Jair Bolsonaro) defende. Como você sendo negro como eu defende um cara desses?”, pergunta, aos berros, um aluno da faculdade a um dos membros do Dom Bosco, Jonathan Santana, em vídeo gravado em meio à confusão.

Ao jornal O Globo, Santana explicou seu apoio, e do Centro Dom Bosco, de maneira sucinta: “A família Bolsonaro, como um todo, compartilha muitos valores da fé católica“.

Ao longo da tarde de sexta-feira e do final de semana, filmagens do tumulto circularam pela internet, rendendo ao CDB apoio do deputado federal Flávio Bolsonaro e de sites e páginas conservadoras. (…)

Bolsonaro e o Padre Paulo Ricardo