Grupo de extrema-direita rouba e queima bandeiras antifascistas de universidade federal. Por Leonardo Coelho

Atualizado em 14 de dezembro de 2018 às 21:44
Registro feito pelos seguranças do roubo das bandeiras | Foto: arquivo pessoal

Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo

POR LEONARDO COELHO

Um grupo de extrema-direita roubou e queimou três bandeiras antifascistas que estavam exibidas em um dos campi da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). A intenção do ato é mostrar reação contra os antifascistas, grupo que combate e denuncia o crescimento do discurso de ódio.

A ação teve como protagonistas integrantes de um grupo de nome Comando de Insurgência Popular Nacionalista e autodenominado integralista, pensamento com fundamento de ideais tradicionais e ligação com o fascismo na época da Segunda Guerra Mundial. A queima das bandeiras roubadas foi publicada em vídeo no dia 10 de dezembro na página TV Bellum Acta.

Nas imagens, ao menos 11 homens de camisas pretas com uma estampa da bandeira do Brasil no peito e fazendo a saudação Anauê, símbolo dos integralistas e similar ao que os nazistas alemães se direcionava a Adolf Hitler. Em meio a discursos de ódio, o grupo vandaliza as três flâmulas com pisões e chutes, terminando por incendiá-las.

As três bandeiras antifascistas foram criadas e colocadas por alunos do campus no dia 26 de outubro na frente do prédio da UniRio localizado no bairro de de Botafogo, como apoio e protesto contra uma série de ações policiais e dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) para fiscalizar supostas propagandas eleitorais irregulares em universidades.

Durante aquela semana, que antecedeu o segundo turno das eleições presidenciais, diversos relatos de ações abusivas se espalharam pelas redes sociais. Tais ações ocorreram em 26 universidades, entre públicas (federais e estaduais) e privadas, em ao menos 13 estados do país. Foram relatadas desde a invasão de espaços para o recolhimento de materiais considerados irregulares pelos TREs, como panfletos, até cancelamentos de eventos que tinham em seu nome ou teor relacionado ao combate ao fascismo.

A Ponte foi ao campus da Universidade e conversou com membros do corpo docente e discente, que confirmaram o roubo das bandeiras. Nenhum dos entrevistados quis se identificar com medo de represálias. Segundo uma imagem de um caderno de registros da segurança do campus, disponibilizada nas redes pelo Diretório Acadêmico de Administração Pública, o roubo ocorreu no meio da tarde de uma sexta-feira, dia 30 de novembro, às 16h08 da tarde.

Pelo relato, um grupo de três pessoas chegou ao campus e um deles, identificado como subtenente da área, solicitou a retirada das faixas. Quando um dos seguranças deixou a entrada da instituição para informar o decano, professor Benedito Adeodato, os homens teriam arrancado as faixas e deixado o campus às pressas. “Os seguranças têm mais detalhes, mas estão com medo de falar”, disse uma professora ouvida pela reportagem.

A assessoria de comunicação da instituição disse apenas que, ao tomar conhecimento das imagens que circularam na internet, acionou o Ministério Público e a Polícia Federal para que apurem o ocorrido. “Aguardamos os devidos encaminhamentos dos órgãos competentes para que providências sejam tomadas”, explicou.

O DCE da instituição, por sua vez, publicou uma nota na qual manifesta “seu mais profundo repúdio quanto à ação fascista promovida no Campus de Botafogo”. Ela afirma ainda que está em contato com os Centros Acadêmicos, com a Decania e com a Reitoria pensando as medidas possíveis. Uma representante dos alunos confirmou que estão organizando manifestações e que serão colocadas novas faixas antifascistas no local.

‘Agitação na extrema-direita’

Para o pesquisador Odilon Caldeira Neto, Phd da Universidade Federal de Santa Maria e autor da obra “Sob o Signo do Sigma: Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo”, essa ação recente expõe um cenário mais agitado no campo da direita política, do qual o integralismo faz parte.

Ele explica que o movimento político nasceu no período de entreguerras, como Ação Integralista Brasileira (AIB), e propunha uma plataforma autoritária, antidemocrática, nacionalista, corporativista e com algumas tendências antissemitas, com clara inspiração nos modelos e correntes intelectuais autoritárias, conservadoras e fascistas na Itália, Portugal, Alemanha etc.

“Já o neointegralismo é um fenômeno que acomete os tais grupos após a morte de de sua principal liderança, Plínio Salgado, em 1975. Após o falecimento, os militantes integralistas – e simpatizantes – passam a disputar essa herança política da liderança e também a divergir em termos de estratégias”, avalia o historiador. “Atualmente, existem dois principais grupos integralistas mais institucionalizados, que são a FIB (Frente Integralista Brasileira) e o MIL-B (Movimento Integralista e Linearista Brasileiro). Ambos estão presentes em diversas localidade do país, no entanto, a FIB é mais articulada, inclusive em torno de partidos políticos”, continua.

Esta ação recente com as bandeiras antifascistas da UniRio surpreendem por terem sido responsabilidade de um grupo ainda pouco conhecido, sustenta o professor. Para Odilon, é possível até mesmo suspeitar que não haja relação direta com grupos organizados. “É importante entender que as referências integralistas são disputadas e reivindicadas por outros grupos do campo neofascista no Brasil na atualidade, como organizações skinheads e de outros grupelhos relativamente mais efêmeros, como esse Comando Popular de Insurgência Nacionalista”, diz.

Odilon Caldeira pontua ainda que essa é uma tendência supranacional, com paralelos recentes em países como EUA, Hungria e Polônia. “Esses grupelhos neofascistas tendem a buscar inspiração nas experiências mais exitosas na extrema direita, então, no Brasil, a Ação Integralista Brasileira (e o integralismo, de maneira mais ampla), são referências importantes. No caso da UniRio, demonstra que essa relação passado-presente é importante para esses pequenos grupos, não apenas como estratégias de legitimação junto ao passado dessas tendências autoritárias de direita, mas também como articulação visando ao futuro”, argumenta.

Dentre os especialistas ouvidos há um entendimento generalizado de que o atual cenário político mais conservador também pode estar ajudando a aquecer tais grupos. Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da Unisinos Bruno Lima Rocha, o gesto é essencialmente uma exposição de ignorância, ainda com fundo de provocação. “Diante das afirmações do chauvinismo como elogio da extrema direita que apoia Bolsonaro, é de se esperar que estes jovens com inclinações fascistas queiram algum lugar ao sol diante da cruzada conservadora, do macarthismo do Escola Sem Partido e o protofascismo”.