Guantanamo é aqui

Atualizado em 5 de setembro de 2016 às 18:56

correria

Antes mesmo da manifestação Fora Temer de ontem começar, 27 ativistas foram presos no Centro Cultural São Paulo. Dez adolescentes, 8 menores.

Todos foram levados para o DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais) e mantidos incomunicáveis por mais de seis horas, numa afronta grotesca aos direitos humanos. Nem pais, nem advogados, ninguém podia manter contato. ‘Detidos para averiguação’ era o status. Só com a chegada do ex-senador Eduardo Suplicy em companhia dos deputados Paulo Teixeira e Nabil Bonduki é que os advogados puderam ter acesso aos jovens.

Os maiores foram levados para o Forum Criminal da Barra Funda e os menores irão para a Fundação Casa. Há secundaristas entre eles. Advogados pedem que pais e familiares levem documentos pessoais. Uma audiência está marcada para a tarde de hoje. A Secretaria de Segurança Pública soltou uma nota informando que serão indiciados por associação criminosa.

Ainda na tarde de ontem, o Boletim de Ocorrência relatava que os jovens fazem parte da ‘organização Black Bloc’ (seja lá o que isso quer dizer) e que ficariam sob custódia do Estado. O pai da estudante Taís Poliquete Luna disse não entender os motivos da detenção e que sua filha não é black bloc. “Ela tinha ido se manifestar… Soube que ela e os outros maiores serão indicados por associação criminosa e aliciamento de menores”, disse preocupado Marco Aurélo Luna.

Os manifestantes, se é que se pode classificar assim pois não estavam na manifestação que, diga-se, nem tinha começado, estavam reunidos e nada tinham feito. Estavam vestidos de preto? E daí? “Pretendiam fazer baderna”, disse o soldado Marcelo Adriano Nowacki que estava na ação. Como assim ‘pretendiam’?

O advogado Gui Perisse acompanhou voluntariamente durante toda a madrugada a situação e atuou como um observador dos direitos humanos, uma vez que não havia permissão para nenhum contato com os presos. “É uma situação totalmente diferente das demais ocorrências. A detenção foi praticada previamente”, afirmou.

O que há de mais preocupante nesse episódio são as condutas dignas de um estado de excessão e o forte temor de que muitos detidos sejam enquadrados daqui por diante na lei anti terrorismo. Uma situação sinistra que é herança, veja você, de uma lei aprovada durante o governo PT, e que agora poderá ser usada como muitos temiam: para criminalizar e tipificar como terrorismo os protestos e como terroristas os manifestantes. E assim o DEIC terá seus dias de Guantanamo, mantendo pessoas presas e incomunicáveis, sem que nada se saiba sobre elas. Nem acusação, nem direito à defesa. O que torna irônico o grito ‘nenhum direito a menos’ ecoado nas ruas nos últimos dias.

O senador Lindbergh Farias afirmou ontem ao DCM que entraria com uma representação na OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a atuação da Polícia Militar nos últimos protestos. Hoje tornou a afirmar que o fará depois de mais uma forte e gratuita repressão na noite deste domingo. Ok, é válido e importante. Mas o quadro é bem mais complexo. A PM tem chefe, as investigações são tocadas pela Polícia Civil e as decisões tomadas pelo Judiciário. Fazer com que 3 ou 4 guardas paguem o pato não vai resolver nem irá nos tranquilizar a respeito de nossos direitos fundamentais. E protestar é um deles. Ou não é mais?