Guedes não abandona seu papel de vendedor de ilusões. Por Luís Nassif

Atualizado em 2 de setembro de 2020 às 21:54

Publicado originalmente no Jornal GNN

Por Luís Nassif

O ministro da Economia, Paulo Guedes Foto: SERGIO LIMA / AFP

Os resultados do PIB, no segundo trimestre, não surpreenderam.

Em relação ao mesmo período do ano passado, a indústria sofreu uma queda de 12,7%. Pior que isso, a queda foi amenizada pelas indústrias extrativas, de baixo impacto no emprego e na atividade, com 6,8% de crescimento. Considerada motor principal da economia, a indústria de transformação registrou queda de 20% em relação a um ano atrás., e de 17,5% em relação ao trimestre anterior.

Parte relevante dessa queda se deveu à enorme lentidão com que a equipe econômica enfrentou a crise econômica. Não criou ferramentas eficazes para levar capital de giro para as empresas, atrasou enormemente a distribuição da renda básica e a maior parte dos recursos liberados se destinou à compra pouco transparente de créditos bancários e à manutenção do nível de preço das cotas de fundos de investimento.

Como sempre vem acontecendo, desde que assumiu o Ministério, Paulo Guedes tenta contornar a ineficiência com frases de efeito.

Primeiro, tentou minimizar o desastre do PIB, com a ideia de que pertencia ao passado. Depois, apostou em uma recuperação em V da economia – ou seja, depois de uma queda profunda, uma recuperação rápida. Desde que assumiu, errou em todas suas previsões. E tentou dourar a derrota com explicações estapafúrdias, como a história de que a queda do PIB público mostrava o lado saudável do PIB privado – uma tolice teórica indesculpável.

Nos programas jornalísticos, analistas apostando em um crescimento robusto no próximo ano, se for aprovada a reforma administrativa. Mas como assim?

A ultradosagem de palpites que tomou conta do jornalismo televisivo, com todos sendo obrigados a comentar sobre tudo, acaba consolidando frases padrão para cada circunstância. E as frases são repetidas indefinidamente, pavlovianamente, sem a menor preocupação com as correlações da economia real.

Uma das mais inacreditáveis é a ideia de que basta uma reforma, fiscal, administrativa ou o que seja, para levantar a economia no próximo ano.

Ora, nenhuma reforma, por mais bem-feita – o que não é o padrão Paulo Guedes – irá ter a menor influência sobre a economia no próximo ano. Não trará nenhum impacto fiscal, nem financeiro, não mudará em um centímetro o patamar de demanda da economia, não terá o menor efeito sobre o capital de giro das empresas. Há que se ter um mínimo de noção de causalidade e de conhecimento sobre microeconomia e sobre a lógica das empresas.

O investimento depende de uma série de fatores objetivos: aumento da demanda, nível de ocupação da capacidade instalada, segurança quanto à estabilidade dos preços e do câmbio. Mas os dois pontos centrais são demanda e capacidade instalada.

Desde Joaquim Levy, repete-se o mesmo bordão: se houver reforma A ou B, o mercado vai se entusiasmar com o futuro e haverá a volta dos investimentos, mesmo que as medidas tomadas comprometam profundamente a demanda e, por consequência, a capacidade instalada.

O pacote Joaquim Levy aumentou os juros, travou o crédito, explodiu os custos de tarifas públicas e de câmbio e promoveu cortes drásticos nos gastos públicos. Em suma, seguiu todo o receituário para travar a economia, com um detalhe: esse receituário serve para enfrentar períodos em que o aquecimento da economia pode provar pressões de preço e nas contas externas. Ele aplicou o receituário em quadro totalmente diverso, de uma das maiores recessões da história.

Com a economia exangue, o governo Temer prosseguiu na mesma cadência. O baixo custo do financiamento de longo prazo do BNDES atrapalhava as operações concorrentes do mercado financeiro? Então, que se aumente os custos para tornar o mercado competitivo. O objetivo final – dinheiro barato para obras de infraestrutura – foi para o ralo, porque interessava apenas gerar negócios para o tal do mercado.

Paulo Guedes foi apenas o continuador desse desmonte.

Criou-se uma adaptação tupiniquim da chamada “fada da confiança” – que se transformou em motivo de chacota por economistas do mundo todo. É a lógica de que basta a confiança na solidez fiscal para tudo se resolver.

Qualquer investidor racional sabe que nenhum modelo de equilíbrio fiscal fundado exclusivamente em cortes de gastos será sustentável se atuar de forma pró-cíclica na economia. Se cai o nível de atividade, caem as receitas fiscais. Se se buscar o equilíbrio através de cortes nas despesas, o impacto será mais recessivo ainda, aprofundando a recessão e, consequentemente, promovendo novas quedas da arrecadação.

A recuperação da economia depende de medidas que atuem objetivamente sobre os gargalos do crescimento: aumento da demanda através de obras públicas; aval para operações de crédito para capital de giro das empresas; medidas que impeçam a destruição das empresas. E Guedes não tem nem convicção nem preparo para planejar e implementar essas medidas.

Por tudo isso, haveria uma recuperação lenta na economia, caso Guedes seguisse à frente da Economia. Provavelmente dançará antes, ou será apenas um ator secundário no novo governo que se desenha.