Guerra em Artsakh dá continuidade ao genocídio armênio e precisa da intervenção internacional

Atualizado em 5 de outubro de 2020 às 20:18

Combatentes das Forças Democráticas da Síria (FDS) em 25 de fevereiro de 2019 [Delil Souleiman/AFP/Getty Images]
A contagem de corpos de civis e militares começou na semana passada, quando o exército do Azerbaijão iniciou uma ofensiva em larga escala em Nagorno-Karabakh, ou Artsakh, uma pequena democracia autônoma com cerca de 160 mil habitantes – com 94% de armênios -, estabelecida em um enclave montanhoso na fronteira entre Azerbaijão e Armênia. Foi iniciada uma guerra desproporcional, onde a Turquia incita o governo do Azerbaijão a atacar a população de Artsakh. Enquanto isso, o mundo pouco sabe o que está se passando nessa esquina do mundo, entre a Ásia e a Europa. Ou pouco se importa com as vidas que estão sendo perdidas num conflito que parece ser a continuidade do genocídio armênio de 1915, quando turcos otomanos assassinaram mais de 1,5 milhão de armênios.

Além dos ataques sobre Artsakh, bombas e mísseis também atingem vilas na fronteira com a Armênia, um território não disputado. O alvo é a população civil, aparatos e estruturas civis. Pior, estão utilizando armamento proibido. São munições cluster, proibidas pelas normas internacionais, mas que continuam sendo usadas pelas tropas azerbaijanas. Além disso, a Turquia está recrutando, pagando e transportando para a zona de combate terroristas do norte da Síria. Mais de 4 mil mercenários que estavam na Síria estão sendo transferidos para a região de Nagorno-Karabakh. A Turquia está entrando de fato no conflito, com soldados e armamento. Jatos F-16 não estão na lista de equipamentos azerbaijanos, mas estão sobrevoando e atacando as posições armênias.

“Apesar de insistentes negativas por parte do governo turco, evidências da França e Rússia e da mídia britânica provam que em setembro, empresas turcas recrutaram e pagaram combatentes da Síria para se juntarem às forças azeris – prova de que a Turquia e o Azerbaijão planejaram seu ataque com antecedência”, alerta Haig Apovian, presidente brasileiro da UGAB, União Geral Armênia de Beneficência.

Esses ataques a Artsakh têm sido um desrespeito à Autodeterminação dos Povos, um princípio da ONU que define que todos os povos têm direito de se autogovernar, realizar suas escolhas sem influência externa, exercitando soberanamente o direito de determinar o próprio estatuto político.

O Princípio da Autodeterminação dos Povos surgiu da Carta das Nações Unidas em 1941, ratificada em 1945, em clima de recém-pós-2ª Guerra Mundial. Esse direito de autodeterminação foi inserido no âmbito do direito internacional e diplomático. “Entendemos que o que está acontecendo é um desrespeito ao plebiscito feito em Artsakh em 1988 com a vasta aprovação da população de sua independência política da região”, explica Haig Apovian. “A comunidade internacional assiste ao desenrolar dessa guerra desproporcional e não há reação. A Turquia usa seu poderio militar contra um país com 3 milhões de habitantes, e ninguém faz nada”, diz Apovian.

Bombardeios. Na manhã desta segunda-feira, dia 5 de outubro, a capital de Artsakh, Stepanakert, foi atingida por bombardeio, destruindo muitas residências e comércio na cidade. Drones sobrevoam o local e também despejam bombas. Mísseis atingem as residências. São centenas de mortos e feridos.

No fim de semana, a mesma cidade foi alvo de outros ataques com bombas e mísseis. Estação de energia elétrica também foi destruída, deixando a localidade às escuras e dificultando trabalho de ajuda aos feridos e em hospitais. Os ataques também atingiram, nos últimos dias, território armênio.

O governo da Armênia já divulgou disposição de aceitar e integrar um cessar fogo. Mas o governo do Azerbaijão disse que não concorda. O povo armênio quer a paz e manter a soberania e a democracia em Artsakh. “A chave para a paz na região é o reconhecimento da segurança e direitos humanos das pessoas de Artsakh. Ao invés disso, em 27 de setembro houve um novo ataque militar em larga escala contra Nagorno-Karabakh com o apoio da Turquia”, disse Aram Araratyan, da embaixada da Armênia no Reino Unido, em resposta à uma carta do embaixador do Azerbaijão.

“Nagorno-Karabah nunca foi uma parte do Azerbaijão, considerando que seu povo votou por independência em completo alinhamento/acordo com as normas da lei internacional e legislação interna existente e de acordo com as mesmas bases legais no Azerbaijão em 1991”, ressalta Araratyan.

A última guerra que antecedeu o acordo citado pelo embaixador ocorreu, no início da década de 1990 e resultou em 30 mil mortes.

A capital Stepanakert está localizada entre colinas, abrigando muitos patrimônios históricos. A cidade possui muitas igrejas cristãs antigas, algumas datando do século X. Artsakh é uma democracia estável, composta por armênios étnicos, mas com uma cultura, história e caráter das terras locais. Sua relação com a Armênia é comparável à do País de Gales com a Inglaterra. 

Os armênios brigam pelo direito de existência, enquanto Turquia e Azerbaijão brigam por um pedaço de território. Além disso, é importante ressaltar que há um antigo plano histórico da Turquia para anexar a parte sul da Armênia e abrir um corredor entre Turquia e Azerbaijão. Assim haveria ligação entre os mares Mediterrâneo, Negro e Cáspio.

O papel da comunidade armênia perante os ataques do Azerbaijão. A Armênia é um país democrático, que passou por uma revolução em 2018 sem derramar uma só gota de sangue, removendo do poder uma figura controversa que queria se perpetuar na cadeira: Sargsyan Serzh. O líder da oposição Nikol Pashinyan foi eleito em pleito amplamente elogiado pela comunidade internacional pela transparência.

Também em 2018, a Armênia foi eleita o país do ano pela revista The Economist, como resposta à sua revolução pacífica e o desenvolvimento alcançado naquele período.

Por ter duas de suas quatro fronteiras territoriais fechadas por embargo econômico imposto pela Turquia e Azerbaijão, o governo da Armênia investiu em tecnologia e hoje desponta como uma fornecedora de serviços na área, fortalecendo sua economia.

O Azerbaijão é governado por um ditador, Ilham Aliyev, que está no poder desde 2003, quando venceu uma eleição fraudulenta para suceder seu pai, Heydar Alyiev. O patriarca estava no poder desde 1993. Desde 2017, a esposa de Ilham Aliyev é a vice-presidente do país. São 27 anos da dinastia Alyiev.

O Azerbaijão é um país rico em petróleo. Nas últimas décadas tirou proveito de uma onda de prosperidade devido aos altos preços e demanda pela commodity, (destinando grande parte do orçamento do país para a compra de armamentos e aumentando seu poderio militar) que atualmente está em um dos menores níveis nas últimas duas décadas. Esta situação coloca o país em um declínio econômico, reforçado pela crise causada pela COVID-19, o que por consequência pressiona a família Alyiev. Nesse contexto, fabricar uma guerra muda o foco dos problemas internos do país.

Em julho deste ano, o Azerbaijão invadiu a fronteira nordeste da Armênia (não a região de Artsakh), e atacou a população civil e pontos civil e pontos comerciais em vilarejos da província de Tavush. Ameaçou, através de seus ministros, promover o lançamento de mísseis contra a usina nuclear de Metsamor. O que representa grave sinalização de terrorismo nuclear.

Em números e em posição militar, não faz o menor sentido a Armênia ou Artsakh atacar o Azerbaijão. A população armênia é de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas, enquanto a população do Azerbaijão soma 10 milhões. Tanto na economia, quanto no poderio militar, os números não permitem que a Armênia entre numa guerra deste tipo. 

Nos últimos dias, o exército do Azerbaijão confiscou carros (pickups) civis que residem na zona de conflito. Também emitiu comunicados para a população de Nagorno-Karabakh ordenando que se afaste das fronteiras. Proibiu que sejam feitas fotos dos movimentos militares e bloqueou redes sociais, exceto Twitter. Vivem na região aproximadamente 160 mil pessoas. O Azerbaijão também proibiu a entrada de jornalistas internacionais não alinhados com o governo para cobertura do conflito, ao contrário da Armênia que tem convidado a imprensa internacional a cobrir os eventos.

Histórico. A República de Artsakh, anteriormente conhecida como Nagorno-Karabakh, historicamente sempre contou com uma massiva presença de armênios, que habitam a região há milhares de anos. Porém, com a anexação de toda a região do Cáucaso à União Soviética em 1920, Artsakh unilateralmente designada pelo governo central de Moscou como uma região autônoma dentro da República Soviética Socialista do Azerbaijão. O território foi cedido ao Azerbaijão sem consulta prévia à população local. Como consequência dessa medida, de 1923 a 1989, a população armênia diminuiu de 95% para 76%, já que o governo do Azerbaijão dificultava a vida dos armênios e favorecia o estabelecimento dos azerbaijanos na região, numa tentativa de mudar os fatos históricos.

Durante anos, a maioria armênia sempre quis fazer parte da República Soviética Socialista da Armênia, até que, em 1988, os armênios iniciaram um movimento nacional em Artsakh, com o objetivo de se separar do Azerbaijão. O plebiscito realizado em Artsakh foi a primeira manifestação democrática em toda a União Soviética, abrindo precedente para a independência de outras repúblicas que finalmente culminou com a dissolução do estado soviético. Como resposta a esse movimento, as autoridades azerbaijanas organizaram massacres e deportações contra armênios em diversas cidades, com destaque aos massacres da cidade de Sumgait, localizada nos arredores de Baku em 1988, no qual a população armênia foi brutalmente assassinada e expulsa da região.

Todavia, a população armênia não desistiu desse desejo e, no dia 2 de setembro de 1991, foi declarada a independência da União Soviética, que estava prestes a entrar em colapso. Poucos meses depois, no dia 10 de dezembro, um referendo foi realizado de forma oficial, no qual 99,89% da população armênia de Artsakh votou a favor da independência completa do Azerbaijão. Esse fato não foi aceito pelo Azerbaijão, que atacou militarmente Artsakh e sua população civil, iniciando um conflito armado que se estendeu até 1993, quando o exército de Artsakh, apoiado pela Armênia, venceu a guerra contra o Azerbaijão.

Em 1994, um cessar-fogo foi assinado pelos representantes da Armênia, de Artsakh e do Azerbaijão. Entretanto, o governo do Azerbaijão sempre manteve uma política de ameaças e ataques contra Artsakh e Armênia, chegando, inclusive, a atacar civis, como aconteceu em 2016, na “Guerra dos Quatro Dias”, naquele que é considerado o pior conflito armado na região desde 1994, vitimando, entre 1 e 5 de abril, 350 pessoas.

Essa política bélica do Azerbaijão continua e, nas primeiras horas da manhã do dia 27 de setembro de 2020, o Azerbaijão lançou uma grande ofensiva militar contra Artsakh, atacando alvos civis e a população pacífica do país na capital Stepanakert e na região de Martuni. 

O exército de Artsakh está respondendo às agressões do Azerbaijão com firmeza e infligiu grandes danos ao exército inimigo, para que recue da estratégia de resolução por meio da via militar. 

Nestes tempos difíceis e de grandes desafios, cada armênio, onde quer que esteja, deve apoiar nossa pátria e oferecer-lhe toda a assistência possível. Todas as organizações devem fazer sua parte para defender nossas terras, lares e dignidade nacional. Temos total confiança no poder do nosso exército, na sabedoria dos nossos líderes e no espírito vitorioso da nossa nação.

A União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) manifesta seu total apoio aos governos da Armênia e Artsakh e convoca a comunidade internacional a condenar inequivocamente os líderes do Azerbaijão por optar uma vez mais pela via militar na resolução de conflitos.