‘Entrevista com Escritores Mortos’ 6: Rainer Maria Rilke

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:33

A “entrevista” abaixo faz parte de nossa série “Conversas com Escritores Mortos”. Nosso sexto entrevistado é o poeta Rainer Maria Rilke (1875 – 1926). As frases abaixo foram retiradas de suas cartas a Franz Xaver Kappus, compiladas na coleção “Cartas a um jovem poeta”.

Retrato de Rilke, por Helmuth Westhoff
Retrato de Rilke, por Helmuth Westhoff

Herr Rilke, o senhor foi um poeta muito conceituado. Quais dicas daria àqueles que aspiram alcançar um patamar semelhante ao seu na literatura?

As pessoas tendem a olhar para fora, e é isso que não deveriam fazer. Há um único meio de prosperar, e é voltando-se para si mesmo.

Como assim?

Investigue o motivo que o impele a escrever; veja se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo que morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isso: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?

E o que fazer se a resposta for positiva?

Se você for capaz de enfrentar essa pergunta com um forte e simples: “Preciso”, então deve construir sua vida de acordo com tal necessidade. A vida tem que se tornar, até a hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.

Entendo. Isso é tudo?

Não. Depois, procure se aproximar da natureza. Tente dizer o que vê e vivencia e ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas formas que são muito usuais e muito comuns – são elas as mais difíceis, pois é necessária uma força muito grande para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes.

O que fazer?

Resguardar-se dos temas gerais para acolher aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descrever suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a crença em determinada beleza. O escreva com sinceridade íntima, serena, paciente e utilize, para se expressar, coisas que existem em seu ambiente, imagens de seus sonhos e objetos de sua lembrança.

Mas e meu ambiente for desinteressante?

Nesse caso, não reclame dele, e sim de si mesma. Para o criador não há nenhum ambiente insignificante. Mesmo que estivesse presa, não teria sempre sua infância? Volte para ela a atenção. Procure trazer à tona todas as sensações submersas desse passado tão vasto. E, se por acaso tal ato resultar em versos, não pensará em perguntar a alguém se são bons ou ruins, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida.

Então não é preciso buscar a aprovação alheia?

Não há meio pior do que atrasar o desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que somente seu sentimento íntomo pode responder, na hora mais tranquila.

Suponho que seja necessário, para escrever bem, ler bastante e conhecer o trabalho de outros poetas e autores…

Naturalmente. De todos os livros que possuo, no entanto, apenas alguns são indispensáveis, e só dois se encontram sempre entre as minhas coisas, onde quer que eu esteja.

Quais?

A Bíblia e os livros do grande poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen.

Quais obras de Jacobsen o senhor recomenda?

Providencie o volumezinho Seis Novelas de Jacobsen, e seu romance Niels Lyhne, e comece por Mogens. Um mundo novo se abrirá para você, a felicidade, a riqueza, a grandeza inconcebível de um mundo. Viva por algum tempo nesses livros, aprenda com eles o que lhe parecer digno de aprendizado, mas sobretudo os ame.

O senhor é um grande fã de Jacobsen, não é mesmo?

Se devo dizer com quem aprendi alguma coisa sobre a essência da criação, sobre sua profundidade e eternidade, só há dois nomes que posso mencionar: o de Jacobsen, grande poeta, e o de Auguste Rodin, o escultor que não tem igual entre todos os artistas vivos hoje em dia.

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.