Haddad e a derrota moral da Folha, que prefere Bolsonaro, mas não confessa. Por Fernando Brito

Atualizado em 9 de janeiro de 2021 às 10:37
Fernando Haddad durante debate na Rede Globo (Crédito: AFP)

Publicado originalmente no Tijolaço:

Por Fernando Brito

Fernando Haddad fez algo que só o qualifica como político e ser humano.

Mostrou que a conveniência nunca pode ser mais importante que a dignidade.

Para Haddad, oriundo da classe média alta paulistana, bem acolhido em círculos acadêmicos e da elite, seria simples e envaidecedor continuar contando com uma coluna semanal na Folha.

Mas a atitude do jornal, que já tornava isso um exercício permanente de tolerância – obrigação, aliás, de homens públicos – chegou a termos intoleráveis no editorial da edição de segunda-feira passada, onde acusava seu colunista da baixeza de afirmar que o ex-prefeito defendia o direito de Lula candidatar-se à presidência porque estaria “esperançoso por uma nova chance” de acabar por substituí-lo na chapa, como em 2018.

E Haddad fez muito bem em não tolerar o intolerável: um jornal que diz acolher sua opinião mas que o julga capaz de um subterfúgio desta natureza torpe.

Não, não é normal agir assim. Imagine, por exemplo se o The New York Times – o qual tantas vezes o jornal paulistano aspira ser, em escala tupiniquim – abrigasse uma coluna de Kamala Harris e escrevesse, em editorial, que a até agora senadora pela Califórnia aceitasse ser companheira de chapa de Joe Biden, “esperançosa por uma chance” de acabar substituindo o veterano político, de 78 anos?

A Folha, sim, é que é dissimulada e covarde, porque vocifera contra o que Bolsonaro é (e que não difere do que sempre sabidamente foi) mas refugiou-se na “Paris da omissão” quando se tratou de entregar a ele o nosso país.

Por isso é que nunca será sequer a sombra do grande jornal norte-americano, até porque este, na hora das decisões, não escolhe o muro e, menos ainda escolheria, sem a coragem de explicitá-lo, um tiranete como o que tiveram por lá ou o temos aqui, desafortunadamente.

Ao menos para este modesto escriba, hoje, Fernando Haddad tornou-se mais digno de, um dia, exercer a Presidência e a escolha de Lula para que o encarnasse em 2018 foi sábia e honrada.

Homens leais, com caráter e dignidade são raros na vida pública e saber reconhecer um deles é dever que independe de ideologias e até de programas políticos. Como é dever discernir entre o palavrório liberal de quem, na “hora H”, por ódios políticos, entrega o país a um canalha.