Helicoca II: piloto, mais uma vez, paga a conta de uma cocaína sem dono. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 14 de outubro de 2018 às 15:20

 

Piloto preso, nos dois casos: quem é o dono da droga?

Parece o remake do Helicoca: 513 quilos de pasta-base de cocaína apreendidos depois que foram descarregadas de helicóptero na zona rural. Até agora se sabe que veio de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, mas não se sabe exatamente para onde ia nem a quem pertencia. A única certeza: a história está muito mal contada.

Há a suspeita de que a operação teria ligações com caixa 2 de campanha eleitoral, mas esta, reafirmando, é apenas uma suspeita.

No dia 21 de abril deste ano, em uma estrada vicinal perto da cidade de Santa Maria da Serra, no interior do Estado de São Paulo, a Polícia Militar parou um caminhão em que estava o empresário Wanderley Gonçalves. Segundo o registro feito pela imprensa na época, os policiais haviam recebido a informação de que haveria o descarregamento de uma grande quantidade de drogas na região, mas não se sabia o local exato.

Os policiais suspeitaram do caminhão, fizeram a abordagem e encontraram a droga, em embalagens bem fechadas, com a marca La Corona. Motorista e dois passageiros foram levados para a Polícia Federal em Piracicaba, onde foi feito o flagrante.

Os três foram presos e o máximo que se ouviu deles é que tinha sido contratados por um tal de “Leque” para pegar a droga e estavam aguardando orientação sobre o local para onde deveriam levar a cocaína.

É difícil acreditar que estejam falando a verdade, mas este não é o único problema nesse enredo.

As investigações sobre tráfico de drogas naqueles dias, há uma história ainda mais mal contada.

Seis dias depois, a Delegacia de Investigação sobre Entorpecentes em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, chamou a imprensa para anunciar que havia prendido um dos pilotos do Helicoca, Rogério Almeida Antunes.

Ele foi flagrado em um hangar do heliponto de Arujá, juntamente com o irmão, motorista de Uber, quando se preparava para conduzir o helicóptero de prefixo PP-MAU para um heliponto em Santa Catarina.

O helicóptero havia parado lá no dia anterior, supostamente para manutenção. O helicóptero foi periciado e, no seu interior, foi encontrada uma pequena quantidade de cocaína, cerca de 0,15 gramas. Estava sem dois bancos traseiros e havia galões vazios.

A aeronave tinha as características próprias de adaptação para o transporte de drogas, segundo a Polícia. O delegado seccional do ABC, Aldo Galiano, associou o helicóptero ao piloto Felipe Ramos Morais, com notórias ligações com o PCC, inclusive presente na operação que levou à morte por execução dois membros da cúpula da organização criminosa, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue e Fabiano Alves de Souza, o Paca, em Fortaleza, Ceará.

Para fazer a associação, a Polícia Civil utilizou outra investigação, a que levou à prisão três mexicanos, um colombiano e um brasileiro, no dia 9 de abril, com quase 100 quilos de cocaína. Eles teriam mencionado que a droga havia sido trazida do Paraguai, em transporte comandado por Felipe. Os traficantes presos, no entanto, não fizeram nenhuma menção ao helicóptero PP-MAU.

Estranhamente, a Polícia Civil ignorou a apreensão dos 500 quilos de pasta-base de cocaína seis dias antes, em que a relação com o helicóptero é direta.

É que o a aeronave está em nome de Fábio Pinheiro de Andrade Alvani, que a teria comprado da empresa Band Participações e Gestão, de Tamboré. Fábio chegou a ter a prisão preventiva solicitada pelo Ministério Público, mas a Justiça negou.

Fábio compareceu à Polícia Civil de São Bernardo do Campo e prestou depoimento (veja abaixo) em que entregou cópia de contrato para comprovar que não era mais o proprietário do helicóptero. O aparelho havia sido vendido a Wanderley Gonçalves, o mesmo que havia sido preso seis antes da apreensão do helicóptero, em Santa Maria da Serra.

Portanto, é muito mais lógico relacionar a prisão do piloto do Helicoca e dos outros dois com a apreensão dos 513 quilos de pasta-base de cocaína em Santa Maria da Serra do que com a prisão dos mexicanos.

Por que a Polícia Civil de São Bernardo do Campo está escondendo essa relação?

Em seu primeiro depoimento, Rogério Antunes contou uma história muito parecida com a do Helicoca para explicar por que aceitou pilotar o helicóptero a partir de Arujá.

Ele diz que foi procurado para fazer o serviço. Recusou num primeiro momento, mas acabou cedendo e, para isso, pediu que o irmão, motorista de Uber, que o levasse para o heliponto.

Além dele, estava o também piloto Luís Paulo Mattar, não habilitado para o voo naquele tipo de aeonove, um Esquilo B2.

Luís Paulo contou que havia voado no helicóptero um dia antes, sob a condução de outro piloto, Tiago, que trouxe a aeronave de Americana, não muito distante do local onde foram apreendidos os 513 quilos de cocaína.

Localizei o piloto Tiago por telefone, mas ele se recusa a falar. “Não tenho nada a declarar”, disse, por meio do whatsapp.

Este é mais um fato que aproxima o helicóptero PP-MAU do episódio da cocaína apreendida com Wanderley Gonçalves, mas omitida pela Polícia Civil de São Bernardo do Campo.

Por que estão escondendo essa relação?

A Polícia não deu essa resposta, mas vazou para a imprensa uma informação que pode servir de pista. O piloto Felipe, aquele de notórias ligações com o PCC, foi sócio do tenente-coronel Edson Luiz Gaspar que foi subcomandante do Grupamento de Radiopatrulha Aérea da PM de São Paulo.

O tenente-coronel deu entrevista ao repórter Victor Ferreira, da Globonews, sobre essa informação, e disse que havia se associado ao piloto até por razões humanitárias:

— Cara, é assim, eu conheci o Felipe quando ele era adolescente, eu até ajudei ele, conheci a família dele e tudo mais. Hoje, a gente não tem mais relacionamento nenhum. Ele era fã do grupamento aéreo, ele me conheceu fazendo demonstração com o Águia, ele vira e mexe ia no Grupamento, ia lá ver, ele apaixonado por helicópteros, começou a paixão dele com os helicópteros da polícia, como de tantos outros jovens.

Victor Ferreira – Entendi.

Edson – Eu conheci o Felipe em feira de aviação, ele era fã do grupamento aéreo.

Victor Ferreira – O senhor conheceu ele na feira e abriu uma empresa com ele? Não entendi.

Edson – Sim, depois a coisa evoluiu, eu conheci ele em feira de aviação, cara.

Também é difícil acreditar nessa história. Mas, na ausência de outra explicação, esta é a que prevalece. A cocaína apreendida em Santa Maria da Serra, assim como os 445 quilos apreendidos na véspera de Aécio Neves ser anunciado candidato a presidente pelo PSDB, em novembro de 2013, permanece oficialmente sem dono.

No caso da investigação em São Paulo, uma boa pista é um inquérito da Polícia Federal que investiga o tráfico internacional de drogas, em estreita colaboração com a DEA, a agência americana que atua no Brasil, em parceria com policiais federais. Existe ali um monotonamente telefônico que é, na prática, permanente.

Foi esse inquérito que levou à apreensão do helicóptero que pertence a uma empresa da família Perrella, em novembro de 2013 — a Polícia descartou o envolvimento dos Perrella com o tráfico, e assegura que o helicóptero foi usado sem o conhecimento dos seus proprietários, naquele voo com cocaína embarcada em Pedro Juan Caballero.

Desta vez, permanece a incógnita.

Difícil crer que a Polícia Militar ouviu um passarinho cantar que droga vinda do Paraguai seria desembarcada num canavial na região de Santa Maria da Serra e resolveu parar um caminhão.

Não localizou o helicóptero, mas seis dias depois o PP-MAU foi encontrado no hangar em Arujá, com todas as características de que fez um voo longo, em baixa altitude (se sabe disso por conta dos insetos mortos no para-brisas e na fuselagem).

Esse voo, no entanto, está, por enquanto, longe do inquérito (que deu origem a um processo) que levou à prisão de Rogério, o piloto do Helicoca.

Segundo seu depoimento, ele está pagando o preço, mais uma vez, por estar no lugar errado, na hora errada. Para esclarecer tudo isso, é preciso encontrar o homem certo.

Enquanto isso não acontecer, a zona rural brasileira continuará servindo de pista de pouso noturna com carregamentos de droga produzida na Colômbia e embarcada no Paraguai.

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O PP-MAU também é usado para transportar gente bacana, como mostra este vídeo, com uma decolagem no luxuoso condomínio Acapulco, no Guarujá.

O helicóptero também foi usado para transportar na última Páscoa um casal (que não teve o nome revelado) de São Lourenço, Minas Gerais, para o Rio de Janeiro.