Historiador revela a ligação da Varig com o nazismo

Atualizado em 23 de junho de 2025 às 18:40
Avião da Varig, que encerrou atividades no Brasil em 2006. Foto: reprodução

Uma investigação conduzida pelo historiador Alexandre Fortes, de Porto Alegre, revelou documentos que ligam diretamente a companhia aérea Varig ao regime nazista nas décadas de 1930 e 1940. A descoberta veio à tona por meio do episódio do podcast Rádio Novelo Apresenta, que narra como Fortes, ao estudar a história do trabalho no Rio Grande do Sul, se deparou com documentos da polícia política brasileira e arquivos norte-americanos que apontam o envolvimento da empresa com atividades de espionagem nazista no Brasil.

Fundada em 1927 por Otto Ernst Meyer, um ex-piloto da força aérea alemã, a Varig nasceu com apoio direto do empresariado alemão no sul do país, numa época em que o Brasil ainda mantinha laços neutros com as potências envolvidas na Segunda Guerra. Documentos obtidos por Fortes mostram que técnicos da companhia instalaram rádios transmissores em navios alemães atracados no porto de Rio Grande (RS), com o objetivo de transmitir informações sobre navios britânicos no litoral sul-americano – informações que seriam utilizadas em batalhas navais.

A atuação da Varig nessa operação de inteligência é ligada à Batalha do Rio da Prata, o primeiro confronto naval da Segunda Guerra Mundial, ocorrido em 1939. A participação da companhia foi registrada em dossiês da polícia política brasileira e da inteligência dos Estados Unidos, que também identificaram Otto Meyer como membro do Partido Nazista. Recibos apreendidos em 1942 comprovam que Meyer era um doador regular da organização no Brasil.

Além da atuação em operações de espionagem, a Varig também foi apontada como distribuidora de propaganda nazista em território brasileiro. Utilizando sua estrutura aérea, a empresa transportava correspondências e publicações do partido, facilitando a disseminação das ideias nazistas em cidades atendidas por suas rotas.

Mesmo diante das evidências, Meyer não foi processado criminalmente no Brasil. Sua saída da direção da empresa só ocorreu após exigência dos Estados Unidos, que condicionaram a venda de aviões à retirada de nazistas da administração da Varig. A decisão, contudo, foi de cunho comercial e não jurídico, permitindo que o episódio fosse abafado por décadas.

A própria trajetória da Varig no pós-guerra contribuiu para o apagamento desse passado. Transformada em símbolo de modernidade e excelência da aviação brasileira, a empresa manteve forte presença institucional e comercial, o que dificultou a divulgação das descobertas feitas por Fortes. Jornais e revistas recusaram reportagens sobre o tema, muitas vezes por conflitos de interesse com os patrocinadores.

Outro ponto destacado pela investigação é o perfil racial dos funcionários da Varig. De acordo com relatos de ex-trabalhadores, havia uma preferência sistemática por empregados brancos e, principalmente, de origem alemã para cargos de visibilidade, como tripulantes de bordo. Funcionários mestiços, mesmo qualificados, eram vetados desses postos, como ocorreu com o tio de Fortes, rejeitado com a justificativa médica nunca comprovada.

A pesquisa também expôs como o prestígio da Varig na classe trabalhadora gaúcha contribuiu para consolidar uma “identidade variguiana”, que associava a empresa à ideia de pertencimento e ascensão social. No entanto, esse mesmo processo excluiu parte da população por critérios raciais e étnicos.

A história revelada por Alexandre Fortes expõe uma contradição fundamental: uma empresa celebrada como patrimônio nacional, mas que participou ativamente de operações nazistas em território brasileiro. A investigação, embora baseada em documentos oficiais e arquivos públicos, permaneceu fora da grande imprensa por anos, levantando questionamentos sobre o apagamento sistemático de memórias incômodas da história empresarial do país.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.