Homem de Ferro

Atualizado em 26 de maio de 2013 às 15:45
Dickens

 

Se um dia eu tiver uma editora de livros, um projeto será prioritário: uma história do Brasil para crianças nos mesmos moldes do que Dickens fez na Inglaterra.

Tenho o livro de Dickens em meu iPad, e frequentemente acabo nele. Dickens era um escritor soberbo: fino, profundo, dotado de um senso de humor impecável. Ele não tratou as crianças como idiotas no seu livro sobre a Inglaterra.

Dickens tinha uma profunda simpatia pelos pobres, pelos desfavorecidos – que eram tantos na Inglaterra em que ele viveu, na primeira metade do século XIX. Isso se viu em seus romances, em sua vida prática e, também, em sua história da Inglaterra.

Ali há pouca simpatia por reis, por aristocratas, por ricos. De Henrique VIII, por exemplo, Dickens  escreveu que duvidava que tivesse sido bonito na juventude, como tantos falam. Jaime I, o rei que há 400 anos encomendou uma tradução da Bíblia que modernizou a língua inglesa e que é até hoje uma referência, é um “imbecil, afetado, covarde”.

Em compensação,  as pessoas que se insurgiram contra a desigualdade social são intensamente admiradas por Dickens. Vou falar de um personagem particularmente porque ontem , 5 de novembro, foi comemorada sua data: Guy Fawkes.

Guy Fawkes se tornou um símbolo moderno de rebeldia anárquica em quatro etapas. Primeiro, os quadrinhos de Alan Moore. Depois, o grande filme inspirado neles, V de Vingança. Terceiro, a adoção da máscara de Fawkes, tal como vista nos quadrinhos e no filme, pelo grupo de hackers Anonymous. E finalmente a disseminação da máscara mundo afora no movimento Ocupe Wall St.

Fawkes, na definição de Dickens, era um “homem de ferro”.  Ele não foi o líder da Conspiração da Pólvora, a tentativa de explodir o Parlamento inglês quando todos estivessem reunidos nele, do rei à corte e aos políticos. Interrogado pelo rei, jamais baixou a cabeça, relata Dickens. Quando Jaime I lhe perguntou a razão de tanta violência, respondeu: “Tempos desesperadores exigem medidas desesperadas”.  Depois disse ao rei que a explosão era  a maneira mais rápida de mandar todos os escoceses de volta para a Escócia.

Jaime I era rei da Escócia.  Pertencente à dinastia dos Tudors, tinha virado também rei da Inglaterra depois que a rainha Elizabeth morreu sem herdeiros. Jaime trouxe para a Inglaterra dezenas de escoceses. Os católicos imaginavam que com ele sua situação melhoraria, depois de terem sido perseguidos impiedosamente sob Elizabeth.

Dickens lembra em seu livro que Fawkes, submetido a torturas atrozes, não revelou nada que já não fosse sabido, ao contrário de outros companheiros. Sua assinatura depois dos interrogatórios – preservada até hoje –  revela o suplício. A letra de Fawkes estava irreconhecível.  Ele acabou enforcado e esquertejado.

A Conspiração da Pólvora fracassou, mas Fawkes, o homem de ferro de Dickens, passou para a história como um exemplo de bravura indômita.