
Um paciente de 58 anos, identificado como Geraldo Vaz Junior, descobriu ter câncer no fígado meses após realizar um transplante no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Exames genéticos confirmaram que o tumor maligno se originou no órgão doado, e não no corpo do paciente — um caso considerado raríssimo na medicina mundial. Com informações do G1.
Geraldo recebeu o novo fígado em julho de 2023, por meio do Programa Proadi-SUS, após desenvolver cirrose hepática em decorrência de uma hepatite C diagnosticada em 2010. A cirurgia foi bem-sucedida, mas, sete meses depois, exames detectaram nódulos no órgão transplantado.
A biópsia confirmou um adenocarcinoma, e o teste de DNA mostrou que as células cancerígenas pertenciam ao doador. “Foi devastador. Meu marido recebeu um órgão com câncer. Esperamos por anos para viver um sonho, mas ele saiu de lá mais doente”, disse Maria Helena Vaz, esposa do paciente.
Após a descoberta, Geraldo precisou de um novo transplante, mas a doença já havia se espalhado para o pulmão, e ele se tornou um paciente paliativo.
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Ministério da Saúde diz que protocolos foram seguidos
Em nota, o Ministério da Saúde informou que todos os parâmetros internacionais foram cumpridos e que “não foram identificados ou apresentados indícios de qualquer problema de saúde nos exames realizados no doador, incluindo inspeção nos órgãos, histórico médico e entrevista com a família”.
A pasta também reforçou que os dados sobre o doador são sigilosos. A família, sem saber de qual centro médico veio o órgão, afirma ter acionado o Ministério da Saúde e o Ministério Público, mas não recebeu retorno.
Como isso pode acontecer?
Médicos explicam que esse tipo de caso é biologicamente possível, embora extremamente raro. O Manual dos Transplantes (2022), do Ministério da Saúde, determina que doadores passem por triagem clínica, laboratorial e de imagem para descartar doenças transmissíveis e neoplasias.
Ainda assim, nenhum método é capaz de eliminar completamente o risco, pois células malignas microscópicas podem não ser detectadas antes da cirurgia.
“O que existe é a impossibilidade de garantir risco zero. Em todo o mundo, são feitos milhares de transplantes com sucesso. Casos como esse são exceções — não a regra”, afirmou o oncologista Stephen Stefani, do Grupo Oncoclínicas.
Segundo o cirurgião Pedro Luiz Bertevello, da Beneficência Portuguesa, trata-se de uma “fatalidade médica”: “Nem mesmo o PET-CT é capaz de garantir que não exista uma célula mutada. Provavelmente o fígado do doador tinha células iniciais, invisíveis, que se multiplicaram com a imunossupressão.”
Risco é menor que 0,03%, dizem estudos
Um levantamento do World Journal of Gastroenterology (2014) analisou mais de 30 mil transplantes no Reino Unido e encontrou apenas 15 casos de câncer transmitido pelo doador, sendo dois de fígado — um índice inferior a 0,03%.
O estudo conclui que restringir o uso de órgãos de risco mínimo poderia aumentar a mortalidade de quem aguarda transplantes, reforçando o equilíbrio entre segurança e urgência médica.
Família diz que não foi informada sobre riscos
Maria Helena afirma que nem ela nem o marido foram avisados sobre o risco de câncer antes do transplante.
“A gente fez muitas perguntas, e as primeiras respostas foram de que não tinha como saber que o doador tinha câncer antes da doação. Quando chegamos ao diretor-geral do hospital, ele nos disse que, como o risco é muito baixo, o hospital acaba por nem citar isso aos pacientes”, contou.
Ela afirma que Geraldo não estava em estado terminal quando foi chamado para a cirurgia. “Meu marido fazia acompanhamento, estava em tratamento e estável. Não era um caso desesperador”, disse.