Davi e Jônatas, a história gay que os evangélicos gostariam de apagar da Bíblia. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 5 de janeiro de 2021 às 9:07
Jônatas e Davi por Gottfried Bernhard Goez, 1708-1774. A cabeça de Golias no canto inferior direito

Os evangélicos fundamentalistas que estão por trás (opa) de todas as batalhas pelo obscurantismo no Brasil usam a Bíblia a seu bel prazer.

A justificativa para a “cura gay”, por exemplo, é baseada em versículos como este do Levítico:

“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a mor­te.”

A Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, outro favorito da turma, ensina o seguinte: “Não errais: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem malakoi, nem arsenokoitai herdarão o reino de Deus”.

Os livros dos felicianos e malafaias traduzem essas palavras gregas como “efeminados e homossexuais”. Traduções mais recentes e criteriosas preferem “pervertores”, “pervertidos” ou “imorais”.

Paulo, que se chamava Saulo e era um devasso antes de se converter cristão, fazia uma referência à licenciosidade do Império Romano sob Nero — o qual, segundo a tradição, o decapitou.

Mas a história que os crentes preferem ignorar é a de Davi e Jônatas, presente em Samuel I e II.

Jônatas era filho do rei Saul de Israel e seu sucessor natural. Mas fez uma aliança com Davi, que acabou sendo escolhido para o trono, o que Jônatas aceitou de coração. “O que tu desejares, eu te farei”, declara.

“Jônatas o amava como à sua própria alma”, diz a Bíblia. Numa cena, ele tira a roupa e se deita com o amado. “Beijaram-se um ao outro”.

É belíssimo — como, aliás, toda a saga de Davi, um homem cheio de contradições, capaz, por exemplo, de mandar um general para o front para poder ficar com a mulher dele, Betsabá. 

No sonho da quadrilha crente, as páginas com o amor de Davi e Jônatas seriam queimadas — juntamente com os gays.

Jesus pregou: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. A eles não interessam nem a verdade e nem a libertação, muito menos a de si mesmos.

(1SM 18:1-4) “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma. E Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que voltasse para a casa de seu pai. E Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. E Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, como também as suas vestes, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto.”

(1SM 20:3) “Então Davi tornou a jurar, e disse: Teu pai sabe muito bem que achei graça em teus olhos; por isso disse: Não saiba isto Jônatas, para que não se magoe. Mas, na verdade, como vive o Senhor, e como vive a tua alma, há apenas um passo entre mim e a morte. E disse Jônatas a Davi: O que disser a tua alma, eu te farei.”

(1SM 20:41) “E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais.”

(2SM 1:25-26) “Como caíram os poderosos, no meio da peleja! Jônatas nos teus altos foi morto. Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres.”