Honrar a memória do delegado Rodrigo Bossi de Pinho é não deixar a investigação dele na gaveta. Por Sandra Fagundes Fernandino

Atualizado em 3 de janeiro de 2020 às 16:07
Sandra e Rodrigo: a luta intensa não os afastou. Pelo contrário.

Não seria justo nos despedirmos do Rodrigo Bossi de Pinho em silêncio.

Um homem de apenas 51 anos que teve uma vida tão intensa e admirável. Um adolescente rebelde, que abandonou a escola. Virou bailarino, aprendeu a tocar guitarra, foi punk.

Aos 21 anos decidiu mudar de vida, se casou pela primeira vez e foi viver nos EUA. Trabalhou na limpeza de supermercados até se alistar na Força Aérea dos EUA. Serviu por 2 anos, incluindo uma temporada numa base da Arábia Saudita durante a Guerra do Golfo.

Com o fim do casamento, a solidão o fez retornar ao Brasil. Voltou com duas medalhas de honra ao mérito. Recomeçou com uma nova namorada, fez um lindo filho chamado Pedro. Trabalhou como professor de inglês e vendeu filtros de água para se sustentar.

Com o fim do casamento, ingressou na Faculdade de Direito. Foi aí que nos encontramos, ele com 29 anos e uma bela bagagem de vida, eu com 20, ainda virgem.

E apesar de tudo diferente, assim como na história de Eduardo e Mônica, nos apaixonamos e nos comprometemos com um amor que se mostraria maior do que tudo o que ainda havia de ser enfrentado.

Juntos nos formamos, ele se tornou advogado e eu arquiteta. Ele se tornou delegado, nos casamos, tivemos um outro lindo filho chamado Júlio. Trabalhamos, lutamos, nos divertimos, brigamos e fomos grandes companheiros por 22 anos.

E como definir o Rodrigo, o Bossi, em algumas palavras …. um homem de grande coragem, que nunca se acovardou diante das dificuldades. Era tão inteligente, que as vezes era difícil seguir seu raciocínio.

Um homem de muitas opiniões, de muitas verdades e de poucas dúvidas. Um homem que não tinha medo de falar o que pensa e de exigir o que era direito.

Tinha sim defeitos e dificuldades, como qualquer pessoa, mas a intensidade e a ingenuidade do seu ser deixavam tudo à mostra, suas frustrações e a sua inquietude. Não escondia nada de ninguém, mesmo que isso as vezes o prejudicasse. Intenso …. alguém que recém o conhecera, me disse que ele era intenso. Sim, esta era uma das suas principais características. Tudo o que ele fazia tinha muita intensidade. E talento, um homem de muitos talentos: tocava qualquer instrumento musical, cozinhava como um chef, surfava, jogava tênis, resolvia qualquer problema de informática ou mecânica … era só algo lhe interessar que ele executava com maestria.

Assim também foi sua atuação na Polícia Civil. Sempre brigou pelo que acreditava. Logo no início se chocou contra a corrupção interna, gritou aos quatro ventos que não aceitava dinheiro de advogado para soltar malandro e que também não aceitaria prisões arbitrárias da PM ou esquemas internos de extorsão.

Na divisão de homicídios resolveu cada caso como se fosse único, inteiramente dedicado ao cumprimento da justiça. A divisão de Fraudes, entretanto, foi o seu grande desafio. Uma investigação que envolvia grandes nomes da política mineira num vergonhoso caso de corrupção no qual a própria polícia civil foi protagonista.

E como sempre, ele se entregou de corpo e alma. E por ser assim, ingenuamente honesto, sofreu com sindicâncias, com denúncias caluniosas na corregedoria e com uma campanha de difamação comandada por deputados estaduais. Apesar de eu ficar apavorada com cada um destes golpes, ele sempre se mantinha determinado a manter sua postura e seu trabalho.

Neste último ano, com o diagnóstico de um câncer agressivo e em estágio avançado, pudemos refletir e conversar sobre a sua vida. Ele desejava que a sua investigação não fosse engavetada e que em algum momento a verdade pudesse vir a tona e os culpados devidamente julgados.

Ficou uma certa mágoa da Polícia Civil, pela falta de apoio institucional e pela conduta de colocar panos quentes na corrupção interna. Também se questionou algumas vezes se valeu a pena desistir da carreira na Força Aérea Americana.

E foi neste momento que o lembrei que a razão do seu retorno ao Brasil havia sido a solidão de ser um imigrante e que a sua maior conquista ao voltar foi, sem dúvida, as muitas amizades e a família que ele construiu.

Não conheço ninguém que tenha tantos amigos fiéis e que seja tão querido quanto o nosso amado Rodrigo Bossi de Pinho. Que ele descanse em paz e que saiba que viverá para sempre em nossos corações.

Rodrigo Bossi, a esposa Sandra e os dois filhos