Finalmente consegui ver o filme Tinker, Tailor, Soldier & Spy, baseado num grande romance de espionagem de John Le Carré. (No Brasil, o livro recebeu o título de “O Espião Que Sabia Demais”.)
Nas duas vezes anteriores, no cinema, sucumbi não ao filme, mas ao sono e ao conforto das poltronas absurdamente confortáveis na Fulham Broadway . Desta vez, na madrugada aérea no avião, fui até o fim.
Depois de Melancolia, de Lars von Trier, foi o melhor filme que vi em 2011. Me deu vontade de reler o romance, um clássico da espionagem que retrata o apogeu da Guerra Fria que opôs o Ocidente à União Soviética.
Ian Fleming com seu James Bond tratou como comédia o universo da espionagem. Le Carré – sobretudo com George Smiley, chefe do serviço secreto britânico — deu um tom dramático e complexo ao mesmo universo.
Um homem da cúpula da espionagem britânica é um agente duplo. Qual deles?
Essa é a trama do livro e do filme.
É um filme lento para quem está viciado na aceleração delirante do cinema americano. Há muitas sombras, o que remete ao cinema noir. É um filme para um público específico: para quem gosta de Le Carré e se interessa pela Guerra Fria e seus agentes, agentes duplos e até agentes triplos.
O final é deslumbrante. Toca La Mer numa versão mais recente, e é feito um ajuste de contas que parece doer mais em quem mata do que em quem é morto.
Não vou dizer o nome do traidor.
Mas não resisto a descrever o diálogo no qual ele explica por que decidiu trabalhar para os soviéticos. “Eu tive que fazer uma escolha”, diz ele. “O Ocidente tinha ficado feio.”
Le Carré não julga o traidor. Não o condena. Deixa que ele se justifique. O leitor e o espectador que tomem sua decisão.
A história se passa nos anos 60, quando o Serviço Secreto britânico foi abalado por revelações de traições de pessoas no topo. Basicamente, a lógica dos traidores era a mesma do traidor de Le Carré: eles achavam que o Ocidente era uma alternativa pior.
Curioso observar o que aconteceu mais de meio século depois. Se já era feio, o Ocidente ficou ainda pior. Os “99%” estão aí, humilhados e ofendidos, numa reedição atualizada do Terceiro Estado francês no Antigo Regime.
A União Soviética, sob a égide de Stálin, mostrou ser uma alternativa ainda mais feia que o Ocidente. E assim patina, na busca utópica, épica, gloriosamente patética de um mundo melhor.
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