Identitarismo raso e autocomplacente só serve à direita. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 27 de novembro de 2020 às 14:43
Marília Arraes comparece em plenária virtual do MST com Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila. Foto: Reprodução/Folha de Pernambuco

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR LUIS FELIPE MIGUEL, cientista político

Tem circulado nas redes um desenho com os candidatos progressistas no segundo turno. Boulos aparece em primeiro plano, no centro, ladeado por Manuela e Marília Arraes, e os outros atrás.

Um poeta, cuja obra aliás admiro, compartilhou o desenho entendendo-o como se fosse material de campanha de Boulos. Seria o candidato do PSOL rodeado de apoiadores.

O poeta reclama, então, da falta de representatividade dos rostos ali desenhados, acusa a esquerda de ser racista e anuncia a vontade de votar nulo. Seguem-se dezenas de comentários na mesma linha.

Eu escrevi um comentário de duas linhas contextualizando o desenho – e recebi uma resposta grosseira, agressiva. Tá certo. Quem mandou atrapalhar a lacração alheia?

Sim, a elite política brasileira é desproporcionalmente branca, mesmo à esquerda. Os esforços para mudar essa realidade estão avançando, mas ainda no começo.

Por outro lado, não se pode ignorar que a esquerda lançou candidaturas negras a prefeituras tão importantes quanto Rio de Janeiro, Salvador ou Belo Horizonte. Mas não passaram ao segundo turno.

É possível discutir o porquê desse resultado. Mas o que se poderia esperar de um desenho representando os candidatos pelos quais podemos torcer no segundo turno? Vamos matar o mensageiro?

No desenho faltam negros e pessoas LGBT, escasseiam mulheres. Não há dúvida.

Também não há dúvida de que a candidatura de Boulos não é perfeita. Na verdade, com exceção das suítes para violoncelo de Bach, de algumas gravações do quinteto de Miles Davis nos anos 1950 e de paçoca, nada que é humano é perfeito.

Mas o ponto é: quais são as candidaturas que prometem maior avanço nas pautas da igualdade racial e de gênero e de combate às discriminações?

Também não há dúvida. É Boulos em São Paulo, as Marílias no Recife e em Contagem, Manuela em Porto Alegre, Margarida em Juiz de Fora, Edmilson em Belém e assim por diante.

Mas há quem opte por se escorar numa pretensa radicalidade, a se manter nela mesmo à base de interpretações enviesadas – e, às vésperas de um segundo turno histórico, prefira sabotar a candidatura de Boulos a trabalhar por ela.

A atenção dada a outros eixos de dominação social, além do de classe, tem feito a esquerda avançar. É essencial. E temos que ser capazes de conviver com uma pluralidade de hierarquização de agendas dentro do nosso campo.

Mas o identitarismo raso e autocomplacente é, estou cada vez mais convencido disso, uma forma de quintacolunismo, que só serve à direita.