“Imprensa faz pouco esforço para entender o olavismo conspiratório”, dizem ao DCM os youtubers do Meteoro Brasil. Por Zambarda

Atualizado em 12 de maio de 2019 às 14:21
Canal de mini-docs Meteoro Brasiil no YouTube. Foto: Reprodução

O canal Metoro Brasil existe desde 2017 e nem sempre abordou política. O que mais surpreende no espaço de dois youtubers que não revelam sua identidade é que os vídeos fogem do formato tradicional. Ao invés de ser uma pessoa falando para uma câmera, eles produzem mini-documentários de 10 minutos até meia hora, pesquisando diferentes fontes de um mesmo assunto e explicando diferentes temas.

Canal de mini-docs Meteoro Brasiil no YouTube. Foto: Reprodução

Uma das integrantes é conhecida como “A Mulher Mais Sábia” e o outro é o “Cara Mais Simples”. O cana do casall é um fenômeno. Publicando um conteúdo bem editado, eles chegaram em meio milhão de inscritos em pouco mais de dois anos.

Na corrida eleitoral, Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho e suas conspirações passaram a ser assunto dos produtores do Meteoro.

O DCM procurou os youtubers, que explicaram sobre seu trabalho, o livro que querem lançar no segundo semestre (que tem um título que ironiza Olavo) e o problema do olavismo no bolsonarismo, que não foi abordado corretamente pela mídia segundo os dois.

Meteoro Brasil quer lançar um livro, que ironiza com Olavo de Carvalho. Foto: Reprodução

Diário do Centro do Mundo: No início do canal, era comum vocês abordarem games e desenhos. Em qual momento vocês acharam que seria importante abordar a visão distorcida de Olavo de Carvalho ou mesmo a eleição de Bolsonaro?

Meteoro Brasil: O Meteoro tem linhas diferentes de conteúdo. Há a série animada, com personagens e um universo ficcional próprio. Nossos personagens tentam entender o conteúdo que consomem, como animações, e evidenciam as relações entre essas produções e suas bases filosóficas, sociais ou científicas. Também há o meteoro.doc; um formato meio híbrido que junta ensaio e documentário.

São os vídeos do .doc que abordam temas sociais de maneira mais direta. Sinceramente, a gente nunca planejou essa expansão temática. Apenas aconteceu, como muita coisa nesse projeto.

Talvez a primeira experiência nesse sentido tenha sido um vídeo chamado “Polarização Política“. A gente ainda estava encantado com um artigo de um pesquisador chamado Ruud Koopmans que explica de maneira cartesiana como funcionam os mecanismos que fazem a radicalização se apoderar da esfera pública de comunicação.

Em relação ao olavismo, o que rola também é um sentido de dever. O olavismo é uma compilação de teorias conspiratórias. Inclui, por exemplo, o globalismo, que é a tese de que o mundo está dividido em três blocos distintos e prestes a ser dominado por um governo comunista global que vai nos impor uma tal religião biônica mundial. No mesmo pacote de conspirações estão outras coisas muito perigosas como a frase “vacinas matam ou endoidam” e o marxismo cultural; conspiração que estabelece um vínculo entre a academia e os planos de dominação global dos comunistas eurasianos.

Se parece engraçado, pense duas vezes: tem teoria conspiratória direcionando políticas públicas no Brasil.

A grande imprensa faz pouco esforço para entender o olavismo e seu caráter conspiratório. Talvez a grande imprensa tenha medo do ridículo da coisa. Eu até entendo, mas penso que é necessário entender essa doutrina, por mais alucinada que nos pareça.

Sabemos que as temáticas do Meteoro podem parecer abrangentes demais, mas é necessário compreender que um tópico permeia o outro. Fundamentalmente, sempre tratamos da mesma coisa, mas por pontos de vista diferentes: cultura.

DCM: Vi a entrevista de vocês no canal do Schwarza. Vocês dizem que não mostram a identidade de vocês a pedido dos financiadores do crowdfunding. Por quê?

Meteoro: Eventualmente a gente vai acabar comparecendo em algum evento. Não vai ter jeito. Seremos vistos. Mas isso não chega a ser um problema. Por mais tensa e persecutória que a situação seja no Brasil, a gente não tem medo não. Sobrevivemos diante de muita coisa.

O que não pode mudar é a relação entre obra e autor que está estabelecida no Meteoro: aqui, o conteúdo pode ocupar todo o espaço porque a gente deixa o próprio ego de fora. No final dos vídeos quem aparece nunca somos nós. Aparece a parte mais interessada e dedicada do público. É justo que seja assim porque o conteúdo só existe graças a eles.

DCM: O canal de vocês é de 2017 e vocês já têm meio milhão de inscritos. É um fenômeno em produções mini-documentais. A quem vocês creditam esse sucesso?

Meteoro: Aos nossos apoiadores, sem dúvida! Eles acolheram essas produções e nos deram condições de continuar. O que a gente faz, a gente faz movido por gratidão; uma gratidão que não pode e nem tem como deixar de sentir. É um sentimento poderoso e agregador.

DCM: A produção dos documentários é acompanhada por uma extensa pesquisa, tratamento de imagens, tecidos e artes. Quanto tempo, em média, vocês demoram para produzir um doc de 15 minutos?

Meteoro: O tempo de produção tem caído na medida em que a gente se torna mais eficiente em cada um dos processos. Por aqui, a gente acredita que fazer cada vez mais também significa fazer cada vez melhor.

Cada vídeo é um treino para o próximo.

Inicialmente, levávamos uma semana para concluir um vídeo. Hoje, dá pra começar e terminar no mesmo dia.

DCM: Como vocês enxergam os cortes de Bolsonaro nas universidades, nos cursos de Filosofia e de Sociologia? Amplia o papel e o trabalho de vocês?

Meteoro: Nossos vídeos não podem substituir cursos de filosofia e sociologia. A gente sabe do nosso lugar: o que a gente pode fazer é apresentar assuntos dessas áreas a quem não está muito familiarizado com eles.

Se essa tragédia amplia nosso trabalho? Sim.

Porque pelo ensino público a gente milita mesmo e milita com paixão. Não tem muito lugar pra imparcialidade e objetividade quando a causa é essa. Sem a UFPR, o Meteoro nem existiria. Somos dois produzindo o canal e ambos passamos por lá. Eu, em particular, só saí da quebrada graças à universidade pública. Não posso fingir que não fui ajudado, não posso fingir que não tenho uma dívida com ela.

DCM: Vocês não gostam de se definir propriamente como um canal de esquerda, mas abordam muitos temas que são importantes para os progressistas. Isso incomoda vocês?

Meteoro: As classificações políticas foram tão dilatadas que perderam todo o significado. Um bom social-democrata precisa de um bom liberal para um bom debate. Por bom, entendemos “racional”. A racionalidade se perdeu, assim como o gosto pela democracia. As pessoas devem ser livres para pensar por si mesmas: um conservador também encontraria em alguns de nossos vídeos informações que poderiam ajudá-lo a ser um bom conservador.

A gente não tem pretensão nenhuma de mudar o posicionamento político das pessoas. Quando muito, o que gente acredita que pode fazer é orientar esse posicionamento, é aproximá-lo da racionalidade.

Não é só a direita que está no poder, é a loucura. Com a direita – com uma direita racional – poderia haver diálogo, debate e um consenso mínimo a respeito da realidade. Com a loucura, não há nada disso. O olavismo, entranhado no governo, vê o mundo de outro jeito: acreditam que o Brasil está destinado a salvar o mundo de um governo comunista global. Para cumprir esse destino, tudo se justifica, inclusive a perseguição das minorias. Não precisa ser de esquerda pra enxergar o absurdo da coisa. Basta não ter sido tragado pela loucura.

DCM: Hoje um de vocês disse que vive do canal. A outra integrante dá aulas. Como é a rotina?

Meteoro: Acordo cedo, às vezes antes do sol aparecer. Começo dando uma lida nos assuntos do dia. Depois disso, sentamos juntos e tomamos as decisões: de qual tema trataremos e como trataremos. Antes das 9h, normalmente, a gente já tem tudo definido.

O que se segue é a redação que vai até 12h. Gravamos antes do almoço e depois eu passo a tarde editando. Só pra ficar claro: o que eu estou narrando aqui é um dia ideal e inteiramente dedicado ao conteúdo.

DCM: Considerando a forma que os assuntos são abordados, como vocês lidam com as represálias dos bolsonaristas?

Meteoro: Entre os nossos apoiadores há o advogado mais maravilhoso que já conheci. Ele acredita que nós deveríamos lidar com a coisa de maneira mais frontal. Tem gente espalhando calúnias das mais absurdas, divulgando nossos endereços de forma ameaçadora. É caso de polícia, eu sei. A orientação é essa: registrar boletim de ocorrência e fazer com que se investigue, embora a gente até saiba a origem da coisa. Não gosto de movimentar esse tipo de engrenagem, sabe? Mas não vai dar pra fugir disso para sempre.

DCM: Jair Bolsonaro disse que ia processar “este meteoro” em março. O processo chegou?

Meteoro: Para você ver como o governo é confuso. Nos disseram isso, que seria um processo contra o Meteoro. Mais tarde, alguém entendeu que era contra o Zé de Abreu.

Contra quem era, ainda não temos certeza, mas tudo aponta para mais um blefe.

DCM:  O que vocês têm a dizer para alguém que quer produzir conteúdo no YouTube para criticar o governo Bolsonaro? Vocês incentivam mais produções nesse sentido?

Meteoro: Todo nosso incentivo está no Jorge Ben. “Perseverança venceu o sórdido fingimento”.

DCM: Qual vídeo vocês têm mais orgulho de ter feito?

Meteoro: “Dez Razões Para Deletar suas redes Sociais” apresenta um autor que nos é muito caro, o Jaron Lanier e chama a atenção para as consequências de uma organização social intermediada pela tecnologia. É um tema importante que envolve muita subjetividade e muita utopia a respeito de um mundo regido por máquinas. Normalmente, esquecemos que essas máquinas são feitas por pessoas, com seus interesses e ideologias. Dessa forma, o aparato comunicacional que usamos se torna uma representação desses interesses e ideologias. Lanier faz um alerta sobre como é difícil que a humanidade sobreviva sem lidar com esse problema. Gostamos de contribuir com esse debate.

“Polarização política”, já mencionado aqui, certamente é um dos mais importantes, embora não seja um dos mais vistos. Um que eu pararia tudo pra ver agora é “Street Fighter II, o filme, o jogo e o jogo do filme“, mas não há nada de especial nele: esse vídeo é sobre como projetos caóticos podem gerar produtos magníficos. Preciso acreditar nisso nesse momento.

Tem muita coisa acontecendo no Meteoro e organização não é exatamente meu forte.

DCM: Tem algo que vocês gostariam de falar?

Meteoro: No segundo semestre, o Meteoro lança seu primeiro livro chamado “Tudo que Você Precisou Desaprender para Virar um Idiota” sai pela Editora Planeta. O livro compila e desmente as teorias conspiratórias que estão definindo os rumos do Brasil.