Imprensa internacional elogia discurso de Lula na COP27: “retorno de um Brasil frequentável”

Atualizado em 17 de novembro de 2022 às 9:52
Lula
Libération destaca nova política externa do Brasil sob Lula, recebido como “estrela do rock” na COP27

A passagem de Lula pela COP27 teve ampla repercussão na imprensa europeia. O destaque foi para sua proposta de nova política externa para o Brasil, baseada no combate à mudança climática. O contraste com o presidente atual tampouco passou despercebido.

“O presidente quer romper com a política climaticida de seu predecessor Jair Bolsonaro. Ele está na COP27 para mostrar sua vontade de agir pelo clima e contra o desmatamento”, destacou o Libération, nesta quarta-feira.

“A COP27 marca o retorno de um Brasil frequentável nas negociações internacionais sobre o clima. Sob a era de um Bolsonaro pró-agroindústria e o setor da mineração, o país parecia um fracasso: ele freava os avanços e diminuía seus engajamentos. A dois meses da posse, Lula, eleito em outubro, era esperado com esperança em Charm el-Cheikh”, diz o jornal francês.

“A vinda de Luiz Inácio Lula da Silva esta quarta-feira à COP27 é certamente a que mais entusiasmou as multidões desde o início da cúpula do clima. Recebido como uma estrela do rock por aplausos e cantos em um evento com os governadores da Amazônia, o brasileiro anunciou que ele desejava que a COP30, em 2025, aconteça em seu país”.

“Depois de ter sido isolado no cenário da diplomacia climática, o país quer restaurar sua imagem”, afirma o diário de esquerda.

“Lula conta com escrever uma nova página depois de quatro anos de política ambiental calamitosa de seu predecessor. O desmatamento da Amazônia prossegue ainda num ritmo nunca antes visto, principalmente em outubro. Jair Bolsonaro incentivou a expansão da pecuária e culturas de soja, em detrimento da floresta, derrubada e incendiada para liberar terras agrícolas”.

O quotidiano parisiense destacou os trechos em que Lula menciona a vontade de construir “um planeta mais saudável, um mundo mais justo”, a inexistência de segurança climática sem a proteção da Amazônia e as críticas ao governo atual, sob o qual o desmatamento aumentou 73%, realidade que o presidente eleito pretende deixar para trás.

O Libération também citou o momento em que Lula afirma ser ultrapassada a produção agrícola sem equilíbrio ambiental, além da reivindicação central do presidente por justiça climática. “Ele lamentou que os países ricos não tenham sempre mantido sua promessa de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais para ajudar os países pobres a reduzir suas emissões e se adaptar às mudanças futuras. Ele apoia também o pedido de compensação por ‘perdas e danos’ para ajudar os países atingidos a reparar os estragos da mudança climática”, relata.

Liderança

O “retorno” do Brasil também foi destaque do outro lado da fronteira. “O Brasil volta à luta contra as mudanças climáticas nas mãos de Lula da Silva”, diz o El País.

O principal jornal da Espanha considera o Brasil como ator fundamental na luta contra as mudanças climaticas, pela sua economia e pela Amazônia.

O jornal madrilenho aponta a importante agenda do presidente eleito, reunindo-se na terça com os máximos representantes dos Estados Unidos e da China, John Kerry e Xie Zhen Hua, e a vice-presidenta espanhola para a Transição Ecológica, Teresa Ribera.

“De fato, a equipe negociadora é liderada por representantes nomeados pelo governo Bolsonaro, quem nunca assistiu nenhuma dessas cúpulas”, aponta.

“Os dados de 2022 (de desmatamento) ainda não foram divulgados, apesar de que o Executivo eleito acredite que a gestão de Bolsonaro já os têm e espera divulga-los depois da COP27, como fez no ano passado, para evitar críticas”.

“Lula sabe que a diplomacia verde pode devolver ao Brasil o protagonismo perdido na cena internacional durante o anos Bolsonaro, e a busca por investimentos estrangeiros que ajudam a criar alternativas de desenvolvimento sustentável sobretudo na região amazônica será central”, afirma a publicação espanhola.

O protagonismo de Lula nesse processo também foi observado em Barcelona. “O mandatário, acolhido com alegria na cúpula, confirma que seu país voltará à cena para combater o aquecimento global”, diz o La Vanguardia. O jornal fala em “interlocutor confiável”.

“A apresentação do mandatário foi uma mensagem para a audiência global, orientado a bater com a porta no governo de ultradireita e negacionista climático Jair Bolsonaro e a recuperar o papel brasileiro no fronte de luta em defesa do meio ambiente”.

“Também permitirá situar o Brasil como interlocutor e porta-voz das reivindicações ambientais e sociais dos países menos desenvolvidos, tanto em relação à justiça climática como diante da arquitetura das relações internacionais, sobre as quais reivindicou uma transformação que dê voz aos menos favorecidos”.

“Entre aplausos da sala fora da zona oficial, onde se realizou o evento, e outros que provinham do centro de imprensa abarrotado uma vez que jornalistas do mundo todo acompanharam o discurso em português, Lula ratificou também seu papel como figura da esquerda global”, avalia.

“O Brasil está pronto para se unir novamente aos esforços de construção de um planeta mais saudável”.

A RTVE, rádio e televisão pública da Espanha, observou a peculiaridade da situação – o protagonismo de Lula na principal cúpula do clima, apesar de não ser chefe de Estado: “Em seu discurso, o de maior peso proferido na reunião internacional apesar de não vir de um delegado oficial, Lula afirmou que a mudança climática ‘terá o mais alto perfil na estrutura’ de seu governo e que ‘os crimes ambientais serão combatidos sem trégua’.”

O outro

A agenda de Lula também levou veículos de imprensa na Europa a se perguntar sobre o paradeiro do presidente atual. “No Brasil, Jair Bolsonaro se esconde, Lula se mostra”, diz Jean-Marc Four, na rádio Franceinfo, na sua crônica de terça-feira.

“Duas semanas depois da eleição presidencial brasileira, o vencedor, Lula, está presente na cena internacional. Por outro lado, o presidente atual Jair Bolsonaro quase desapareceu, embora esteja ainda em exercício”.

“Ele é uma das raras personalidades, ou até mesmo A personalidade mais esperada da COP27: Luiz Inácio Lula da Silva, Lula. Seu avião aterrorizou terça-feira no Egito. E parece até que sua equipe não pôde aceitar todos os pedidos de reunião cara a cara que foram feitos, de tantos que houve”, observa.

“Sua eleição este ano provocou um grande movimento de esperança nos povos indígenas, que esperam por exemplo a delimitação de novas terras indígenas. As discussões estavam no ponto morto desde a chegada do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro. E a Amazônia, que atraiu uma chuva de críticas a Bolsonaro, contribuiu amplamente para o isolamento internacional do Brasil”.

“Jair Bolsonaro desapareceu da cena internacional. Ele está inclusive ausente no Brasil. Ele estaria recluso na sua residência oficial, não recebendo quase ninguém.”

Uma possível justificativa vem sendo sendo noticiada desde então. “Bolsonaro recluso por causa de uma infecção na perna”, reporta o Le Figaro.

” A presidência não respondeu a um pedido de informações da AFP sobre a saúde do chefe de Estado. Uma erisipela é uma infecção de pele devida a uma bactéria, que atinge a maioria dos membros inferiores”, explica.

Os relatos da imprensa estrangeira permitem perceber que um novo lugar emerge para o Brasil no cenário internacional: de pária, ele ganha perspectivas de líder, da esquerda e do Sul global.