
O empresário e engenheiro agrônomo Kaio Furlan Andreasse, morador de Sinop, no norte de Mato Grosso, está na cadeia e não vai sair tão cedo. O motivo: crime de incêndio, atentado contra a segurança de meio de transporte e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Andreasse é dono da Nortão Produtos Agropecuários (CNPJ 19.713.368/0001-25), com sede em Novo Progresso, no sul do Pará, divisa com Mato Grosso. Trata-se do município onde, no dia 7 de novembro do ano passado, bolsonaristas atacaram a Polícia Rodoviária Federal.
Houve disparos de tiros, pedradas e arremessos de outros objetos. Tudo ocorreu em um bloqueio com tratores, caminhões e pneus queimando na BR-163. Uma criança sofreu intoxicação pelo uso de gás e precisou ser socorrida e um agente foi ferido pelos “manifestantes”, além de viaturas da PRF terem sido destruídas.
Trata-se – até que se prove o contrário – apenas de uma coincidência. A prisão do empresário nada tem a ver com os ataques aos policiais federais rodoviários no ano passado, na BR-163. Tampouco tem seu encarceramento qualquer ligação com o fato de sua empresa encontrar-se inapta na classificação da Receita Federal, por ter omitido declarações de faturamento ao longo dos últimos anos.
Andreasse foi preso em flagrante delito no dia 8 de janeiro deste ano, na mesma BR-163, mas no KM 819, em Sinop, já no estado de Mato Grosso. Na ocasião, ele estava inconformado com a derrota de seu candidato nas eleições presidenciais de 2022, Jair Bolsonaro (PL). Então, lotou a caçamba de sua caminhonete Hilux de pneus e foi para a BR, encontrar-se com seus amigos, também inconformados com o resultado das urnas.
Lá chegando, ele descarregou os pneus (entre as atividades registradas de sua empresa está a “comercialização de pneumáticos”) e começou a tacar fogo em tudo.
Se, em novembro do ano passado, a PRF foi atacada e fugiu dos arruaceiros em Novo Progresso, no Pará, na BR-163, neste ano, em Sinop, na mesma BR, a coisa foi diferente. Policiais rodoviários federais chegaram ao local e prenderam o empresário ali mesmo, em flagrante. Sua caminhonete Hilux foi apreendida no ato, está até agora no pátio da PRF.
Consta no comunicado de prisão emitido no mesmo dia (os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM):
Os delitos foram motivados pela insatisfação do acusado com o resultado das eleições presidenciais e sua reversão de modo antidemocrático, pois a obstrução da estrada federal ocorreu no mesmo dia em que o Palácio do Planalto, Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos por integrantes do movimento.
Andreasse passou por audiência de custódia no dia seguinte e teve a prisão em flagrante convertida em preventiva, que, em teoria, pode ir sendo renovada e se estender até o final de seu processo e julgamento pelos crimes de que é acusado.
Os advogados do empresário rapidamente entraram com um pedido de habeas corpus. Alegaram razões humanitáras: Andreasse teria uma mãe doente, e era a única pessoa que cuidava dela.
Alegaram também que ele estava só passando no local onde fora preso para buscar um amigo, e que os pneus seriam fruto e objeto de seu trabalho, e estariam ali na sua caminhonete porque estavam sendo transportados para a utilização em uma obra de recapeamento asfáltico.
Mas não foi nada disso que viram e testemunharam os policiais rodoviários que prenderam o cidadão de bem. De acordo com seus relatos, ao se deslocarem para a rodovia por conta do incêndio que já havia sido reportado, avistaram pelo menos seis homens descarregando pneus de uma Hilux e colocando fogo. O veículo carregado era de Andreasse, que também se encontrava no local. O fogo causado pelos homens deixou a rodovia bloqueada por horas e impediu a passagem de motoristas.
No dia 16 de janeiro, o Ministério Público Federal se manifestou sobre o pedido de liberdade, dando parecer contrário. O procurador da República Adriano Augusto Lanna de Oliveira afirmou que não foram apresentados novos fatos para a revogação da prisão, e o que diziam os advogados era simplesmente mentira. Afirmou também que não havia dúvidas de que o acusado fora preso em flagrante após se apresentar como proprietário do veículo no qual estavam carregados os pneus utilizados para bloquear o tráfego da BR-163 por meio de fogo:
Não há negativa de autoria ou alegação de que os fatos se passaram de maneira diversa daquela relatada, motivo pelo qual, neste momento, é possível realizar, com bastante tranquilidade, um juízo positivo de autoria e de tipicidade da conduta do conduzido.
Na última quarta-feira, dia 18, a Justiça Federal se debruçou sobre as alegações dos advogados e sobre as contrarrazões da procuradoria para decidir sobre a soltura ou não do acusado.
Ao analisar os autos, notou que a mãe do empresário sequer morava no mesmo estado que ele, somando assim mais uma alegação falsa do cidadão de bem a somar-se à história dos pneus para recapemento asfáltico. Resultado: o juiz federal da 5ª Vara de Mato Grosso, Jeferson Schneider, manteve a prisão preventiva.
Scheneider pontuou que a defesa técnica do engenheiro não trouxe qualquer fato novo que pudesse justificar a revogação da prisão, tendo apenas repetido argumentos cujas “conclusões divergem do entendimento adotado por este juízo”.
Para requerer a revogação, Andreasse alegou ser o único responsável por sua mãe e que ela estaria interditada. Porém, o magistrado concluiu que tal alegação não encontrou suporte nos documentos juntados nos autos e que, inclusive, a genitora do investigado reside em outro estado.
Realização de perícia ainda foi determinada em decisão “para verificar o real grau de incapacidade da interditanda (pois, aparentemente, ela apresentou uma melhora no seu quadro clínico)”.
O juiz ainda apontou jurisprudência dos tribunais superiores e asseverou que a mera existência de condições pessoais favoráveis, como réu primário, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, por si só, não têm aptidão para desconstituir a custódia antecipada, no que concluiu (os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM):
Diante disso, restou demonstrado estar presente a necessidade de proteger a ordem pública sob os fundamentos da gravidade concreta do crime, bem como da periculosidade social do engenheiro.
Ante o exposto, indefiro o pedido de revogação formulado e, como consequência, mantenho a prisão preventiva do investigado KAIO FURLAN ANDREASSE.
Aos poucos, os cidadãos de bem vão entendendo que a lei é para todos.