Incra cobra de pai de Dallagnol a devolução de R$ 8 milhões aos cofres públicos

Em ação na Justiça Federal em Mato Grosso, autarquia questiona valor pago por 2 mil hectares em Nova Bandeirantes (MT), onde pai do ex-procurador da Lava Jato tinha um latifúndio improdutivo e desmatado; suspeitas vão de corrupção de funcionários a grilagem

Atualizado em 20 de junho de 2022 às 10:48
Incra cobra de pai de Dallagnol a devolução de R$ 8 milhões aos cofres públicos
Deltan Gallagno, filho de Agenor Dalagnoll
Foto: Reprodução

Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cobra, em uma ação protocolada na Justiça Federal no Mato Grosso em 2020, R$ 8 milhões do procurador de Justiça aposentado do Paraná Agenor Dallagnol. Agenor é pai do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que foi coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba. Para colocá-lo na condição de réu perante a Justiça Federal, o Incra sustenta que o valor da indenização, pela desapropriação da Fazenda Guapé, de pouco mais de 2 mil hectares, em Nova Bandeirantes (MT), foi inflado de maneira irregular.

As acusações se baseiam numa suposta quebra de princípios básicos no cálculo do valor de uma propriedade a ser pago pela autarquia, como o desconto do valor para recuperação ambiental de áreas desmatadas irregularmente e a depreciação por conta da ocupação. No caso específico, houve divisão da gleba em várias propriedades, algumas com sobreposição em relação a outras e até mesmo a terras já desapropriadas pelo próprio Incra. Tudo isso a provocar um aumento artificial no valor, segundo a autarquia.

O princípio é bastante simples: o poder público não pode pagar por um bem um valor acima do preço de mercado. É a mesma lógica que rege as licitações públicas e pregões e tomadas públicas de preço.  O objetivo é evitar o favorecimento de uns em relação a outros e, por consequência, acabar com a corrupção de agentes públicos — um tema caro a Deltan.

De Olho nos Ruralistas publica sua segunda série sobre as terras da família Dallagnol no Mato Grosso. A primeira, em 2019, mostrou a extensão desses latifúndios. Outro texto desta nova série faz um resumo das acusações do Incra contra o clã paranaense: “Incra diz que pagou R$ 147 milhões a mais ao desapropriar gleba dos Dallagnol“.

O observatório teve acesso a documentos de processos judiciais movidos contra Agenor e outros parentes de Deltan Dallagnol, que se filiou ao Podemos e é pré-candidato a deputado federal ou a senador pelo Paraná. Outras reportagens trarão detalhes sobre as acusações que pesam contra pai e outros parentes de Deltan, da corrupção no próprio Incra à sobreposição de terras.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa pessoal, o ex-procurador não quis falar sobre o assunto. Não é a primeira vez que Deltan opta pelo silêncio ao ver seus familiares do outro lado de notícias sobre possíveis irregularidades em seus empreendimentos.

Em 2019, em uma série de dez reportagens, mostramos que os tios e primos do ex-procurador estão entre os principais proprietários da Gleba Japuranã, em Nova Bandeirantes, um dos últimos municípios do noroeste do Mato Grosso, quase no Amazonas.

A lista de denúncias é grave e extensa. Difícil até resumir em um Power Point, como gostava de usar o ex-procurador quando chefiava a equipe da Lava Jato. O uso da ferramenta lhe rendeu uma condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele terá de indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em R$ 75 mil por tê-lo colocado como “comandante e maestro de uma organização criminosa” no material apresentado a jornalistas. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, considerou que Deltan anunciou “a imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia”.

No caso do Incra, as denúncias são recheadas. Incluem mais de uma dezena de processos, alguns que superam 4 mil páginas, com perícias e relatórios, como é o caso da ação em que o pai de Deltan é réu. Contra ele, pesam acusações de superfaturamento e sobreposição de terras, beneficiamento por corrupção no Incra, prejuízo ao erário público, latifúndio improdutivo, destruição de florestas em reserva legal e áreas de proteção ambiental, supressão de espécies nativas da Amazônia ameaçadas de extinção.

Há mais suspeitas que envolvem outros integrantes da família e o negócio com as terras, como contratos sem procuração do dono da área ou sem registro, loteamento ilegal com camponeses sem regularização fundiária e assinatura de contrato com uma entidade que não existia oficialmente.

Documento do Incra mostra indenização cobrada na Justiça do pai de Deltan Dallagnol. (Imagem: Incra/De Olho nos Ruralistas)

Valor total da causa ultrapassa R$ 15 milhões

Na época da publicação da primeira série de reportagens, em 2019, o Incra já havia aberto um procedimento para analisar a possibilidade de irregularidades na concessão de indenizações pelas desapropriações na gleba onde Agenor e outros parentes de Deltan tinham propriedades. Com a conclusão do procedimento interno, o instituto entrou na Justiça e conseguiu, em caráter liminar, o bloqueio dos Títulos da Dívida Agrária (TDAs) que ainda não haviam sido sacados. Pede ainda a devolução do valor pago que, em dezembro de 2019, superava R$ 8,27 milhões.

O pai de Deltan até agora não foi citado, apesar de diversas tentativas. Nesta ação, também é ré a advogada Thaísa Minozzo, sócia de um dos irmãos de Agenor, o Xavier. A advogada aparece como proprietária da Fazenda Paquetá, de pouco mais de 1,2 mil hectares. Contra os dois, o valor total da causa supera os R$ 15 milhões.

Confira as propriedades da família Dallagnol no Mato Grosso. (Imagem: Eduardo Luiz D. G. Carlini/De Olho nos Ruralistas)

Sócio de Thaísa e tio de Deltan, Xavier Leonidas Dallagnol é considerado o líder das desapropriações. Advogado em Cuiabá, Xavier cuida da parte jurídica do império agropecuário da família. Sua mulher, Maria das Graças Prestes, teria recebido R$ 1,6 milhão por uma desapropriação. A filha do casal, Ninagin Prestes Dallagnol, é a recordista em valor de desapropriação, com R$ 17 milhões. O outro filho, Belchior, levou R$ 10 milhões.

As desapropriações aconteceram em dezembro de 2016, no início do governo Michel Temer. Durante a Operação Ararath, de 2013 a 2016, foram encontrados indícios de que Xavier e seu cliente, o algodoeiro José Pupin, conversaram com um suposto lobista, o advogado Tiago Vieira de Souza Dorileo, para a compra de sentenças.

As irregularidades apontadas no processo são temas de outras reportagens da série, que continua nos próximos dias.

(Texto originalmente publicado em De Olho nos Ruralistas)

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