Influenciador promove gincana para humilhar os pobres: como chegamos a esse ponto? Por Nathalí

Atualizado em 18 de outubro de 2023 às 18:26
O influencer Junior Paixão e uma das participantes do jogo. Foto: reprodução

O influenciador Júnior Paixão, conhecido por promover jogos com crianças tendo como prêmio comida e por polêmicas familiares como, por exemplo, deixar a própria mãe na sarjeta, está sendo criticado nas redes sociais após promover uma gincana para as pessoas mais pobres ganharem comida.

A proposta da “brincadeira” é fazer com que os competidores lancem uma bola tentando acertar um cesto que os conduz direto aos prêmios (pasmem, dois litros de óleo, dois quilos de arroz e dois pacotes de café).

As pessoas, que preferem, por óbvio, qualquer humilhação à completa miséria, aderem à gincana na esperança de não dormirem com fome.

Luciano Huck tá diferente: o apresentador, conhecido por expor pobres ao ridículo antes de dar-lhes uma esmola, aparentemente tem feito escola.

Que é perverso, sórdido e absurdo humilhar pessoas necessitadas e chamar isso de entretenimento nós já sabemos: aprendemos nos tantos anos de espetacularização da pobreza no programa de Luciano Huck.

Mas, no caso de Júnior Paixão, a coisa é ainda mais abjeta: esse influenciador, que hoje tem uma vida confortável graças ao que ganha na internet, poderia estar no lugar das pessoas que se rendem à sua humilhação por dois quilos de arroz.

Impossível não recorrer ao clichê freireano: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor.”

Para além de uma educação não libertadora – ou mesmo da falta de qualquer educação -, Júnior Paixão mostra mais do que a vontade de simplesmente oprimir: revela também uma completa ignorância acerca de sua própria classe social.

Pobre humilhando pobre: nada poderia ser tão conveniente ao capitalismo, e graças a gente podre como esse influenciador, tem se tornado o novo normal.

E o pior disso tudo é que a atitude sórdida do influenciador dividiu opiniões: enquanto alguns criticam – boquiabertos, como eu me encontro neste exato momento – a gincana, outros a enxergam como “uma forma lúdica de ajudar aos mais pobres”.

Lúdica meu ovário! Desde quando humilhar pobre pra ganhar like na internet é lúdico? Existem outros adjetivos pra isso, mas me parece que já usei os principais.

Em um país em que a fome ainda assola milhões de pessoas, ver um homem negro, pobre premium e periférico humilhando seus próprios pares para chamar a atenção chega a ser aterrador.

A fome mata. A fome dói. Qualquer um que não se sensibilize com outros seres humanos que não conseguem o básico – que é se alimentar – é digno de desprezo.

O escárnio desse influenciador aos mais pobres, que deveria considerar sua comunidade e rede de apoio, é obsceno, e só nos revela, uma vez mais, que as redes sociais estão, a cada dia, conseguindo arrancar o pior das pessoas.

Tem mais é que ser cancelado, sim. Fome não é espetáculo.

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