Influenciadora Fatou Ndiaye rebate “visão xenofóbica” de Felipe Neto sobre vacina e pandemia na África

Atualizado em 16 de dezembro de 2020 às 9:56
Fatou Ndiaye escreve para a Folha de São Paulo

O DCM reproduz o desabafo publicado pela influenciadora digital Fatou Ndiaye, brasileira filha de senegaleses, em resposta à declaração do youtuber Felipe Neto sobre o governo Bolsonaro estar “alinhado” com a África “em todas as decisões”, se referindo à demora na aprovação da vacina contra covid-19. Leia abaixo:

Caro Felipe Neto, por que a África não tem plano de vacinação e por que isso não tem nada a ver com a desonestidade do Bolsonaro.

Diferentemente de muitos nesse site, não sou sua hater e inclusive concordo com muitos posicionamentos seus aqui, mas hoje você cometeu um equívoco rude e que perpetua uma visão extremamente xenofóbica da África.

A declaração polêmica de Felipe Neto

Antes de pensar na vacina, vamos analisar os números da COVID na África. Nos 55 países africanos, que correspondem a 1,3 bilhões de pessoas, tivemos: 2.389.975 milhões de casos, 2.024.010 de casos recuperados e 365.965 mortes.

Para base de comparação, o Brasil com 210 milhões de habitantes teve: 6.972.145 milhões casos e 181.835 mortes. A população africana é quase seis vezes maior.

Como um continente com os piores IDHs do mundo conseguiu ter os melhores números na pandemia? Bom, eu explico.

Razão 01: histórico de epidemias

A África num período de 50 anos sofreu de epidemias de Cólera, Malária, Ebola, Sarampo entre outros. Durante os últimos anos tivemos que assistir familiares sofrerem de doenças terríveis.

Quando o assunto é epidemia, a gente entende o quão devastador ela pode ser. Não teve várzea, festa ou saída. Ficamos em casa de verdade.

Razão 02: iniciativas governamentais

São 55 países, mas gostaria de dar um foco para a África do Sul, por ser um país emergente e um grande exemplo.

A África do Sul dedicou 10% do PIB para combater a COVID. Mercados apenas para produtos essenciais (ou seja, lá em abril não podia comprar ovo de Páscoa), uso das forças militares para manter as pessoas em casa (Obs.: isso gerou alguns problemas, mas mesmo assim acho válido).

E isso tudo num dos países com a maior densidade demográfica dentro da África. Diferentemente do Brasil, por mais problemáticos que nossos governos sejam, eles possuem o mínimo de decência humana e entenderam que pandemia não é brincadeira.

Agora vamos falar da vacina em si, vou ser bem direta com você, Felipe Neto: não tem dinheiro. É sério, a gente simplesmente não tem estrutura econômica para imunizar toda a população.

Para imunizar a população africana inteira (com as duas doses) seriam necessários 52 bilhões de dólares (isso no valor mínimo da vacina Pfizer). A situação econômica em que a África se encontra não permite vacinação em massa.

E não tem energia. Não tem como armazenar a vacina, Felipe Neto. Vai demorar 3 anos para vacinar 60% da população porque não temos as condições para isso, Felipe Neto.

Posso te dar todas as razões históricas pelas quais a África não tem as condições econômicas para isso, mas fica para outro dia. Vamos focar na COVID.

Agora que eu te expliquei todas razões, você entende a problemática do seu tweet? Equiparar a falta de caráter e empatia do Bolsonaro com um continente que mal tem dinheiro para teste é extremamente desonesto e xenofóbico.