Inspiração da Lava Jato, Operação Mãos Limpas “foi um desastre”, diz ex-deputado italiano

Atualizado em 22 de abril de 2015 às 19:26

mani pulite

Publicado na BBC Brasil.

Nos anos 1990, uma das maiores operações anticorrupção da história europeia expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida política e econômica na Itália.

Foi a Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite, que ajudou a desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.

A investigação levou ao fim da chamada Primeira República Italiana, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).

Bettino Craxi foi líder do PSI entre 1976 e 1993. Foi, também, primeiro-ministro da Itália, entre agosto de 1983 e abril de 1987. Em 1992, foi acusado pela Mãos Limpas de corrupção e financiamento ilegal de partido. Condenado, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000.

O PSI não chegou a ser extinto e existe até hoje, ainda que com pouca participação no cenário político italiano.

A Mãos Limpas italiana seria a fonte de inspiração de muitos policiais e procuradores que atuam na operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

Mas para Vittorio Craxi, conhecido como Bobo Craxi, filho de Bettino Craxi e ex-deputado pelo PSI, a Operação Mãos Limpas piorou a situação no país. Segundo Craxi, se antes no meio político havia desvios ilegais para prover fundos a partidos, hoje cometem-se ilegalidades “para financiar-se a si mesmo”.

Veja abaixo a entrevista dada à BBC Brasil.

BBC Brasil – É possível estabelecer um paralelo com o que ocorreu na Itália durante a Operação Mãos Limpas com a Operação Lava Jato? O PT pode perder a sua força?

Vittorio Craxi – Acho difícil fazer uma comparação com o que ocorreu na Itália pois o PT é muito maior e mais forte no Brasil do que o Partido Socialista Italiano era naquela época. Embora fosse do poder, o PSI era muito menor do que o PT, não tinha a mesma força que o PT tem hoje no Brasil.

O PT ainda tem condições de se reerguer porque conta com uma história recente de crescimento econômico e com a força do seu líder, (o ex-presidente) Lula, que ainda é muito popular.

BBC Brasil – Apesar disso, dirigentes do partido foram condenados por corrupção.

Craxi – É inevitável que depois de uma prolongada permanência no poder ocorram episódios de corrupção. O risco de degeneração é fisiológico. No Brasil dos últimos anos o crescimento econômico gerou muita ‘desenvoltura’ no mundo dos negócios, com políticos de esquerda atuando como se fossem de direita.

Este foi o erro do PT, aderir às prerrogativas dos partidos de direita, que defendem o mundo financeiro, o capitalismo liberal e a iniciativa privada. O partido deve ser salvo com a regeneração dos dirigentes e não com a abolição do próprio partido.

Os brasileiros acabaram de votar e deverão mudar o presidente nas próximas eleições. Esta é a democracia: respeito ao voto dos cidadãos, são estas as regras.

Em geral, penso que neste momento histórico mundial, o melhor papel para a esquerda seja o de oposição. Do contrário, acabaremos por aceitar as regras do capitalismo financeiro global.

BBC Brasil – Nos anos 90, seu pai foi condenado por corrupção e financiamento ilegal do PSI. Ele chegou a admitir que o financiamento irregular dos partidos era uma praxe na época. Ele poderia ter agido de forma diferente?

Craxi – O que ele disse foi que o financiamento de toda a política na Itália, não apenas a do partido dele, era em parte feito de forma ilegal, porque os partidos não declaravam estes recursos, porque havia uma grande desordem nas regras e, portanto, havia grande tolerância com relação a isso.

Foi um discurso muito aberto e franco sobre a importância do financiamento aos partidos, que é uma das condições fundamentais da democracia.

A política é e deve continuar sendo financiada, no modo mais transparente possível. Ou então não se trata de democracia, mas de regime.

Na minha opinião, a solução é tornar o financiamento aos partidos público e ‘desfiscalizar’ o financiamento privado.

BBC Brasil – O financiamento dos partidos continua sendo um desafio para a política?

Craxi – Penso que o financiamento à política seja um dos grandes temas da democracia. Mas as acusações de corrupção não devem ser generalizadas.

Há casos de corrupção e casos de financiamento irregular à política, e devem ser diferenciados. Isso vale tanto para os partidos de esquerda, quanto de direita.

O ex-presidente (Fernando) Collor também esteve envolvido em atos de corrupção e por isso sofreu o impeachment.

BBC Brasil – A situação melhorou após a Operação Mãos Limpas?

Craxi – Mudou para pior. Antes cometia-se ilegalidade para financiar os partidos, hoje comete-se ilegalidades para financiar-se a si mesmos.

BBC Brasil – E o que é pior?

Craxi – Hoje existem ladrões, naquela época não. A Operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália, porque os juízes fizeram carreira e alguns foram inclusive acusados de corrupção, os partidos desapareceram.

Não por acaso um homem rico organizou um partido. E partidos pessoais não são partidos. Por isso acredito que as grandes ideias e os grandes partidos devam ser salvos, apesar dos erros que possam ter cometido.

BBC Brasil – Apesar da Operação Mãos Limpas, o fenômeno de propinas e troca de favores continua sendo um assunto na Itália, com diversos episódios recentes de irregularidades. Existem novas formas de corrupção na política?

Craxi – Sim, e infelizmente não é apenas um problema de leis, mas de cultura, de respeito às regras. É preciso fazer um trabalho profundo principalmente nas classes dirigentes do governo.

É difícil modificar a mentalidade de um criminoso, mas podemos ensinar às novas gerações a respeitar antes de tudo a legalidade, a transparência e o respeito das regras.