Instabilidade catastrófica. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 30 de dezembro de 2023 às 21:03
Javier Milei, Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: Reprodução

HÁ ALGO MUITO SÉRIO E NOVO ocorrendo na disputa política ocidental. A direita foi para o extremo, atropelando nuances intermediárias, apresentando seu programa máximo de uma só vez. O cartapácio de 350 páginas de Milei é a evidência maior disso. Ali não há mediações ou negociações possíveis, na maior parte das mais de 600 propostas impositivas.

Aliás, se olharmos para três casos recentes do extremismo reacionário construído em cima do desespero popular – Trump, Bolsonaro e Milei -, podemos verificar que o projeto vai ficando cada vez mais nítido. É uma economia que combina fortíssima concentração de capital, internacionalização sem freios, desregulação total para os de baixo (e regulação estrita em cima) e um “pacto social” hobbesiano. Estado forte para o topo da pirâmide social, Estado fraco para a base. O salve-se quem puder é embalado como livre iniciativa total, daí o anarcocapitalismo ser uma denominação precisa.

DO NOSSO LADO TEMOS QUE TIPO DE PROPOSTA? Um projeto neoliberal envergonhado, com ações focadas aqui e ali, tentativas de se aplacar a sanha do grande capital fazendo enormes concessões a ele e tocar o dia a dia como se não houvesse amanhã (ou seja, sem estratégias definidas). O conjunto é sempre embalado por discursos despolitizantes – pois não há explicação plausível para essa opção em meio à radicalização política – e uma fé cega de que no fim tudo dará certo.

Não são formulações distintas, mas a mesma diretriz com ênfases próprias. André Singer e Fernando Rigistsky classificaram o lulismo em sua fase atual como a dinâmica de “fazer, no atacado, concessões à burguesia e, no varejo, buscar as brechas por meio das quais consiga beneficiar, em alguma medida, os segmentos populares”. Inexiste objetivo claro, a não ser o de manter um status quo um pouco mais soft.

O QUE TEMOS É A DISPUTA ENTRE UM NEOLIBERALISMO puro e duro e um neoliberalismo mais humano. Essa é a natureza da “polarização” em que vivemos. É uma polarização de nuances, de embates personalistas entre lideranças, mas não é uma polarização real entre políticas distintas (evidentemente prefiro viver numa sociedade do neoliberalismo soft do que em sua vertente neofascista). Nessa lógica, o capital – todas as suas frações – prefere o lado mais prático e objetivo, o da extrema-direita e do neofascismo. Ele pula desse barco apenas quando a opção começa a se tornar disfuncional para os negócios, como ocorreu com Bolsonaro.

Enquanto não tivermos um claro projeto de desenvolvimento, centrado no Estado nacional, com marcas antiimperialistas, seguiremos a disputar alternâncias de curto alcance com a extrema-direita, num quadro de instabilidade institucional permanente. Não se trata de um conjunto de ideias tiradas de alguma cartola, mas de uma construção política a ser feita com distintos setores sociais para a construção de uma frente transformadora. Enfrentará muito mais dificuldades de formulação e concretização do que o ultraliberalismo fascistizante, que rema a favor da maré da alta finança.

VALE AQUI UM EXEMPLO do quadro em que nos encontramos. É o das das votações plebiscitárias para a constituinte chilena. O que explica a população, num intervalo de pouco mais de um ano, rejeitar duas propostas excludentes de ordenamento institucional? Há especificidades locais, mas ali estavam dois construtos colocados para o escrutínio popular. O primeiro era um amálgama progressista confuso e segundo um nítido texto de extrema-direita, neoliberal, privatista e restritivo em termos democráticos.

É algo, me parece, mais complexo do que um empate catastrófico. O adjetivo da expressão pode permanecer, mas no lugar de empate eu usaria o conceito de instabilidade. Instabilidade catastrófica.

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