“Intervenção militar”, “Fora, Temer” e “Lula Livre”: na paralisação dos caminhoneiros, ninguém falou em Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de maio de 2018 às 16:21
Moro, senhora Moro e Pedro Parente

A paralisação dos caminhoneiros foi um movimento político, motivado por razões econômicas, e marcado por três tipos de manifestação: “Intervenção militar”; “Fora, Temer”; e “Lula Livre”.

Há dois anos, quando também protestaram, os caminhoneiros exibiam faixas em apoio a Lava Jato.

Desta vez, não se viu nada que lembre a operação liderada por Sergio Moro.

É o reflexo de um movimento maior, a queda de popularidade da Lava Jato, constatada em todas as pesquisas de opinião.

E não é difícil entender por que.

A Lava Jato não tem feito bem ao Brasil, e a população, inclusive os caminhoneiros, começa a perceber.

Alardeia que, em quatro anos de operação, conseguiu recuperar R$ 1,5 bilhão de recursos que teriam sido desviados da Petrobras.

Perto do que a Petrobras perdeu com um acordo que fez com acionistas americanos — US$ 2,95 bilhões, quase R$ 11 bilhões — e com acordo para tentar colocar fim à paralisação dos caminhoneiros —R$ 13,4 bilhões —, é uma quantia irrisória.

Por trás do acordo nos Estados Unidos e da nova política de preços da empresa, estão os procuradores e juízes que, a pretexto de defender uma empresa que ostentava números vigorosos, provocaram um desastre.

Com a mudança de governo, que só foi possível pelo ambiente de caça às bruxas criado pela Lava Jato, saíram os gestores indicados por quem tinha a autoridade delegada pelo voto popular.

(E não eram Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, os ladrões mais notórios da Petrobras, pois estes já estavam fora da empresa havia muito tempo quando a Lava Jato começou).

Sob Lula e sob Dilma, a gestão da Petrobras era guiada por um princípio: empresa como alavanca do desenvolvimento e, por isso, a política de preços, investimentos e compras deviam atender ao interessa nacional — primeiro o Brasil.

Não era para dar prejuízo — e, na gestão do PT, nunca deu, pelo contrário, seu preço mais elevado ocorreu em 2008, quando o valor de mercado chegou a R$ 510 bilhões.

A Lava Jato gerou uma ruína econômica que foi além da empresa, ao mesmo tempo que se fortaleceu como agente político e de repressão do Estado.

Seu líder maior, Sérgio Moro, se sentiu à vontade na sexta-feira para dar palpite no movimento dos caminheiros.

“O prolongamento excessivo da paralisação e que inclui o questionável bloqueio de rodovias tem gerado sérios problemas para a população em geral, com prejuízos principalmente para o abastecimento de alimentos e de combustíveis nas cidades”, escreveu em um despacho.

“Espera-se que prevaleça o bom senso dos envolvidos, com a normalização da situação e antes que ocorram episódios de violência”, acrescentou.

Ninguém lhe deu ouvidos.

Mas a Lava Jato, no que se pode considerar sua jurisdição específica, se fez ouvir.

Com a derrota na Justiça de Portugal, no processo de extradição do consultor Raul Schmidt, denunciado no Brasil por desvio por corrupção ativa, foi para cima da filha dele, no Rio de Janeiro.

Depois de uma busca e apreensão na residência dela, com policiais portando metralhadora diante do neto pequeno de Raul, foi intimada a depor em Brasília.

Em São Paulo, o revide contra Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, operador do PSDB, também foi pesado.

Ele foi solto por medida de Gilmar Mendes há duas semanas, disse que não tinha nada a delatar, e agora, além de ser preso novamente, viu sua filha também ser recolhida ao xadrez.

É um padrão que se cria: a Lava Jato amplia seu alvo, e seu rigor, quando vê decisões suas sendo contrariadas.

Quem não se lembra do que os policiais federais fizeram quando Sérgio Cabral foi transferido para Curitiba, depois de uma queda de braço entre o juiz de primeira instância Marcelo Bretas e Gilmar Mendes?

Acorrentaram o ex-governador pelos pés e pelas mãos e o expuseram à fotografia,  sem que ele representasse qualquer risco à transferência.

Num jogo de faz de conta, com a repercussão negativa da conduta dos policiais, Moro cobrou explicações.

A PF disse que acorrentou o ex-governador para protegê-lo, e ficou tudo por isso mesmo.

A Lava Jato deixa cada vez mais evidentes as características de polícia política, atacando primeiro o PT, mas também todos os outros, com algumas exceções.

É uma tragédia do ponto de vista institucional, que só se tornou possível pela aliança entre policiais, procuradores e juízes.

No início, todos pareciam unidos unidos contra o PT e suas lideranças, para derrubar Dilma e depois bani-los da vida pública.

Não conseguiram tudo o que aparentemente buscavam, mas mostraram muita força e, com esse poder , ampliaram o leque de atuação.

No Brasil, hoje, ninguém está livre da Lava Jato. Seja culpado ou inocente.

Policiais e procuradores sempre mantiveram conexão direta entre seus respectivos trabalhos, mas juízes deveriam se manter distantes, neutros.

E juízes, quando exageram, são controlados pelos tribunais superiores, pelas corregedorias e pelo Conselho Nacional de Justiça.

Mas não é isso o que tem ocorrido.

Por exemplo, até hoje, dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça não analisou ainda a reclamação contra Sergio Moro pela divulgação das escutas telefônicas da presidente Dilma Rousseff.

E é necessário, não só para reparar o abuso contra o PT. Mas para proteger a todos da arbitrariedade.

Não importa se o alvo da ação abusiva da Lava Jato seja alguém ligado ao PSDB, como Paulo Preto, ao PMDB, como Sergio Cabral, ou ao PT, como ocorreu em tantos casos.

A Lava Jato precisa ser contida para preservar o que resta de democracia no Brasil.

Por isso é que soa como palavras vazias o discurso que a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, fez nesta quarta-feira, na abertura da sessão, aparentemente em referência ao movimento dos caminhoneiros, especificamente àqueles que defendem a intervenção militar:

“Dificuldades se resolvem com a aliança dos cidadãos, e a racionalidade, objetividade e trabalho de todas as instituições, de todos os poderes. A democracia não está em questão […] Não há escolha de caminho. A democracia é o único caminho legítimo.”

Disse mais:

“O direito brasileiro oferece soluções para o quadro vivido pelo povo.”

Sim, oferece.

Mas, até aqui, a corte que deveria fazer prevalecer o direito tem se comportado como protetora dos interesses daqueles que contrariam a Constituição, principalmente em razão da presidência de Cármen Lúcia.

Por que ela não permite votar a constitucionalidade da lei que assegura ao cidadão o direito de recorrer até a última instância antes de ser preso?

Porque pode tirar Lula da cadeia, mas Cármen Lúcia não diz.

Quem atropela a democracia não tem autoridade moral para apontar o dedo para os caminhoneiros.

Pode ter autoridade perante a lei, mas não autoridade moral.

O problema está no Supremo, a balbúrdia nas estradas é só um reflexo.