Intolerância: por que o ritual de raspar cabeça no candomblé vira caso de polícia e a circuncisão religiosa não?

Atualizado em 9 de agosto de 2020 às 12:18
Candomblé

Uma mãe de Araçatuba, no interior de São Paulo, perdeu a guarda da filha de 12 anos.

Tudo porque a garota passou por um ritual de iniciação no candomblé em que sua cabeça foi raspada.

A ação foi movida pelo Conselho Tutelar da cidade, que recebeu denúncias de maus-tratos e abuso sexual. Uma delas foi da avó evangélica da menina.

A adolescente tentou explicar que não houve qualquer abuso. Sua mãe frisou que, durante a cerimônia, ela não poderia deixar o local.

Mesmo assim, foram levadas à delegacia e liberadas depois de a jovem passar por exame de corpo de delito no IML, que não registrou nenhum tipo de hematoma ou lesão.

Ela estava se tornando filha de Iemanjá.

Parentes estão perseguindo as duas. Lavraram boletim de ocorrência, provocaram conselheiros tutelares e policiais — tanto fizeram que a avó ganhou a guarda.

É preconceito religioso escancarado, movido por gente fanática e com a anuência das autoridades.

Como se trata de uma religião afro e identificada com negros e pobres, não há escândalo.

O ponto é: ou se respeitam todos os rituais, ou não se respeita nenhum. O candomblé não é clandestino.

No ano passado, um debate tomou conta do Reino Unido em torno da legalidade da circuncisão masculina por motivos religiosos e culturais.

É uma cirurgia dolorosa e geralmente permanente em uma criança que não consente com aquilo. 

No caso dos judeus, tem de ser no oitavo dia.

É clinicamente desnecessário e arriscado. Desastres são comuns. Dois bebês morreram na Itália depois que seus órgãos genitais foram amputados.

Em São Paulo, operações para corrigir barbeiragens de intervenções realizadas em casa em condições precárias são comuns — mas o assunto é abafado.

Nunca se ouviu falar de pais que perdem seus filhos por causa disso.

Não viram caso de polícia porque são rituais de brancos.