Não há por que se duvidar que o site “O Antagonista”, que há anos mantém canal direto de comunicação com policiais e procuradores da Operação Lava Jato, está equivocado ao publicar que a Polícia Federal está investigando uma suposta “venda de mandato” de Jean Wyllys ao deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), marido do jornalista Glenn Greenwald.
Difícil será obter uma informação oficial do órgão público sobre o assunto. Um dia antes, o mesmo site divulgou que a PF estaria investigando o mesmo jornalista, inclusive utilizando o COAF para inspecionar suas movimentações financeiras. O ministro da Justiça (e, portanto, chefe da PF), Sergio Moro, foi instado por deputados federais a esclarecer o assunto, mas não o fez. Enquanto isso, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) republicava a notícia em seu Twitter.
A investigação que O Antagonista afirma ter sido aberta contra Jean e David é baseada em uma “denúncia” de um congressista que se autointitula membro da “tropa de choque de Sergio Moro na Câmara dos Deputados”. Trata-se de José Medeiros (PD-MT), um ex-policial rodoviário federal que assim sustentou sua solicitação ao órgão federal de investigação, de acordo com o site que há anos vaza informações direto dos escaninhos da PF para suas páginas de internet:
Medeiros enviou à PF, no mês passado, ofício em que relacionava a desistência do psolista (Jean) às reportagens do site de Glenn Greenwald.
“Tais fatos não me parecem ser mera coincidência”, escreveu o parlamentar no documento, alertando para o que considera uma “invasão cibernética promovida e patrocinada por estrangeiros”.
No ofício, Medeiros também pediu a verificação de eventuais transferências de recursos de Greenwald para Wyllys.
Quer dizer: um deputado que diz ser da tropa de choque de Sergio Moro pede ao órgão policial chefiado por Sergio Moro que abra uma investigação contra o marido do jornalista que está publicando notícias desabonadoras a Sergio Moro. Então, o site que vaza as informações da PF há anos divulga que os policiais abriram investigação. A base fática? O fato de “não parecer coincidência”, aos olhos do parlamentar, que Jean tenha deixado seu mandato, do qual o marido do jornalista Greenwald era suplente eleito, meses antes do início das publicações sobre Moro pelo The Intercept.
É preciso lembrar que a saída de Jean Wyllys do Congresso Nacional e do Brasil se deu em meio a ameaças que o então parlamentar vinha sofrendo, juntamente com sua família. O próprio ministro Moro, enquanto chefe da PF, inclusive já veio a público informar que a Polícia Federal investiga essas ameaças. Até hoje, não informou que fim levou ou em que pé estão essas investigações.
“Ou seja, a própria Polícia Federal investiga as ameaças sofridas pelo então deputado. Há alguma prova de que tais ameaças sejam falsas, que Jean Wyllys estava inventando esta motivação para deixar o mandato? Se há, quais são elas? Por que a PF ainda não as apresentou? E, se não há, como é possível que, agora que seu chefe está sendo alvo de reportagens críticas, essa mesma PF abra nova investigação, contra o suplente do deputado e marido do jornalista responsável por essas reportagens, baseada unicamente em hipóteses e ilações de um deputado que assumidamente tem o interesse de proteger Sergio Moro?”, indaga André Lozano Andrade, advogado especialista em Direito Criminal, coordenador do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
O especialista não usa meias palavras para definir o que vê: “A PF não só poderia, como teria e tem a obrigação de rejeitar um pedido de investigação desse tipo, sem qualquer base fática, com evidente motivação política. O que se está vendo no Brasil é o uso do sistema de investigação federal para fins políticos, para fins de intimidação, para fins de perseguição.”
Lozano Andrade prossegue: “Trata-se de expediente nada novo. Governos autoritários usam e usaram inúmeras vezes esse tipo de procedimento para perseguir inimigos do regime. Era assim que Josef Stalin utilizava a KGB (polícia secreta da antiga União Soviética), era assim que o partido comunista da Alemanha Oriental utilizava a Stasi (polícia política daquele país) para encurralar dissidentes e críticos do sistema.”
Ponto final.