“Irmão da minha ex-mulher morreu após prisão e ação de Moro”, diz advogado que ajudou a cassar Dallagnol

Michel Saliba falou ao DCMTV

Atualizado em 28 de maio de 2023 às 14:48
Michel Saliba
Michel Saliba. Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube

O advogado criminalista Michel Saliba atua no setor eleitoral e está trabalhando em Brasília. Crítico das delações premiadas, ele defendeu o ex-deputado Pedro Corrêa do PP e deixou o caso com a colaboração. Saliba foi um dos advogados que ajudou a cassar o ex-deputado e ex-procurador Deltan Dallagnol. Sua solicitação foi realizada pelo PMN.

Michel Saliba e outros advogados foram presos na Operação Big Brother, a mando de Sergio Moro, em meados de 2000. Desde aquela época, ele virou um desafeto do hoje senador pelo União Brasil.

Outros dois advogados, Luiz Eduardo Peccinin e Evelyn Melo, fizeram a solicitação de cassação de Dallagnol pela Federação Brasil Esperança, de PT, PCdoB e PV, que apoiaram a eleição de Lula ao seu terceiro mandato.

Peccinin e Saliba sofreram ameaças de seguidores de Dallagnol. Ao programa DCM Ao Meio-Dia, Michel Saliba fez críticas ao ex-deputado e ao senador Sergio Moro, lembrando de abusos na época do escândalo do Banestado, dos desvios na privatização do Banco do Estado do Paraná, e até de períodos anteriores.

Saliba também falou sobre o juiz afastado Eduardo Appio e sobre a situação da prisão de Mauro Cid em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Confira os principais trechos.

Argumento oco

Sobre a direita liberal falar que a cassação de Dallagnol foi o novo “AI-5”, o que tenho a dizer é o seguinte: eu moro muito perto do meu escritório e tenho o costume de ficar por aqui, porque tenho um filho deficiente.

Minha secretária me liga diz: “Doutor, o senhor está saindo de casa? Quando o senhor chegar, o senhor não fique aqui. Não fique na garagem. Entre rapidamente no escritório”.

Perguntei: “Por quê? O que está acontecendo?”.

Eu tenho um escritório no Largo Sul, de Brasília. É um lugar calmo. Quem conhece, sabe. É um bairro tranquilo. O trânsito de carro nesse local é pequeno. 

Ela disse: “Estamos com um trânsito de dois carros andando intensamente. Indo e parando na frente do escritório”.

Isso é o modus operandi da intimidação, da força, do inconformismo, inconformidade com o resultado do que as instituições produzem. 

Qual é a diferença entre a extrema direita e a direita civilizada? Com a direita civilizada nós nunca tivemos um problema assim. A direita civilizada, justiça seja feita, sempre respeitou decisão judicial sem ir para a rua. Sem intimidar. Intimidar é coisa da extrema direita. 

Se fosse Jair Bolsonaro na situação de Luiz Inácio Lula da Silva, ele teria ficado no Brasil? Aguardado a prisão? Se submetido a quase dois anos de prisão injusta, cujo processo foi anulado pelo Supremo?

Ou ele teria passado a fronteira e pedido asilo num país amigo? É respeitar ou não respeitar decisão judicial?

E o perfil do eleitor do Deltan hoje é o da extrema direita. Eu advoguei pelo PMN, que é um partido de centro direita.

Veja como é oco esse argumento de que foi uma “vingança do PT”. Ainda que a federação pelo PT, PCdoB e partidos de esquerda defendidos pelo Luiz Eduardo Peccinin e pela Evelyn Melo tivessem pedido a impugnação, o PMN também fez o mesmo pedido. E o fez primeiro. 

Na outra ação ele seria cassado pelos mesmos termos só que por um partido de direita.

Essa grita, essa extrapolação da democracia é da extrema direita. É o discurso do ex-vice-presidente Hamilton Mourão. Infelizmente. É triste.

Isso chama a atenção para a necessidade de reformar a legislação eleitoral. Precisa ser julgado com antecedência às eleições.

Colaboração de Cid contra Bolsonaro nesse momento teria meu respeito

Pau que bate em Chico, bate em Francisco, para usar um ditado popular. Como fui um crítico da maneira como as delações foram feitas e obtidas, e eu atuo muito na área criminal, eu nunca atuei em processos assim em 30 anos de advocacia, mesmo antes da lei da Orcrim. Respeito quem atua. Se eu tiver que atuar assim, para atenuar a pena de um cliente, eu prefiro indicar outro colega. E assim eu procedi na Lava Jato.

Fiz isso no caso do ex-deputado Pedro Corrêa, que era meu cliente. No momento que ele optou por fazer uma delação, eu sai do caso. É bem verdade, e isso vou falar em nome de terceiros, que o meu nome não era bem-vindo pela procuradoria de Curitiba. Eu advogando em Brasília. Isso aconteceu em 2015.

Um dos termos para avançar na delação, esse termo colaboração é uma falácia, seria a troca do advogado [no caso Pedro Corrêa]. Isso é uma coisa que infelizmente acontece. É uma barganha.

Só que nos Estados Unidos, na Inglaterra, nos países que adotam o common law, os termos e os critérios da colaboração premiada são muito mais rígidos. E de uma maneira muito menos hipócrita.

Há realmente uma negociação. No Brasil tenta-se transmitir que a lei tem uma ideia de isenção. E não precisaria disso. Poderia ser uma barganha. Desde que os termos da barganha fossem claros, comprovados. Como se não pudesse ocorrer do preso preventivamente esse tipo de coisa.

Aquele que está preso preventivamente fala qualquer coisa. Os projetos dessas delações são feitos pelo próprio preso. Só quem ficou preso sabe o que é isso, uma prisão justa ou injusta.

Tenho críticas a forma como essas delações são obtidas. Até em relação ao caso Bolsonaro. Se a delação for realizada agora, terá meu respeito. Uma colaboração do Mauro Cid nesse momento terá meu respeito.

É diferente do Anderson Torres preso há seis meses. Não tenho dois discursos e jamais terei em minha vida. Acho um absurdo delação premiada de preso detido cauleramente.

Uma delação de alguém que não está preso, no caso Bolsonaro, a meu ver seria algo decisivo para selar o destino de um processo penal do mesmo.

Os ataques que o juiz Appio recebe

O doutor Eduardo Appio fez um trabalho em linha ao que é natural no exercício de sua profissão. Há juízes que têm um viés mais conservador e outros que têm um viés mais progressista e isso é absolutamente legítimo.

O que nós não aceitamos é que se descumpra a lei e a Constituição. E há uma tendência da extrema direita em atacar juízes garantistas. Isso não vem de hoje, infelizmente.

Eu digo infelizmente porque eu sou natural do Paraná. Sou de Araucária, região metropolitana de lá, me criei e advoguei no Paraná. Eu presidia a OAB de Curitiba e conheço muito bem o que se processa lá.

Existe uma reação em Curitiba contra pessoas de viés mais garantista. E ela é absurda. Faço parte de grupos de WhatsApp da época de faculdade, os de amigos de infância em que as pessoas sabem que eu atuei como advogado. Eles assistiram.

E, sem a menor cerimônia, você é atacado de modo virulento. Por isso, a postura do Eduardo Appio é uma postura a se louvar. É um juiz que cumpre a Constituição Federal aplicando a lei de modo a garantir o princípio da presunção de não culpabilidade.

Ele é diferente completamente do Sergio Moro. E também das pessoas que são longa manus dele, com todo respeito. Eduardo Appio tem uma linha clara de independência e não se rende ao “Código de Processo Penal de Curitiba”. Ele é coerente. 

Se Anderson Torres fizesse uma delação premiada agora, eu seria coerente. A delação não teria da minha parte uma valoração porque ele estava preso. Tenho essa crítica às delações e eu tenho um viés ideológico mais à esquerda que todo mundo conhece.

Esse problema das delações se vê no caso Antonio Palocci. Se ele rever a delação, e isso acontecer mesmo, acaba comprovando que esse país não pode continuar a manter dentro do seu ordenamento jurídico uma legislação a respeito de colaboração premiada que gera tamanha insegurança jurídica. É um vale-tudo.

Nos Estados Unidos, na Inglaterra, a baliza das delações é mais clara no common law. Na aplicação da pena no Brasil, isso requer urgentemente a regulamentação.

Moro vive de shows, ele sempre busca holofote

Banestado foi uma experiência marcante. A CPI do Banestado, em meados de 2003,  foi uma experiência rica que mostrava como começava a se desenhar o perfil do Sergio Moro.

Tivemos diferentes tipos de abusos, com queixas de advogados novos e antigos. Eu resolvi tomar uma postura mais incisiva, dentro da área criminal e eleitoral. Em nenhum momento eles gostaram da minha atuação, mas eu tenho uma recordação triste desse período.

A exumação do ex-secretário de esportes Oswaldo Magalhães dos Santos, filho do ex-deputado federal falecido Joaquim dos Santos Filho, que atuou no governo Lerner. Existia um boato, uma coisa absurda, de que Oswaldo, na verdade, não teria morrido.

Ele sofreu um acidente de carro no interior do Paraná. Ele estava dirigindo um daqueles Ômega 3.0 de 98. Carro capotou e ele morreu na hora.

Infelizmente Curitiba é uma cidade muito punitivista e houve uma resposta para a CPI do banco. Pediram para exumar o corpo do filho do ex-deputado. E a decisão seria do Sergio Moro.

Falei aos pais: “Olha, o Moro vai deferir esse pedido de exumação, mesmo que baseado em teorias da conspiração. Então é bom a família se antecipar”.

Concordamos e nos antecipamos. Aquilo foi horrível para mim. Eu acompanhei a exumação do filho de um então deputado e essa foi uma das ações mais difíceis da minha carreira. Foi uma cena muito dura e ele, Moro, nos holofotes e exaltado pela mídia.

Pedimos que a imprensa não cobrisse e o Moro, verbalmente, disse que não iria autorizar. Quando eu cheguei lá, estava tomado por todos os meios de comunicação. Os pais nunca mais se recuperaram.

O Moro vive de shows, ele sempre busca holofote.

Na dúvida, prisão preventiva

Moro ordenou que autoridades fossem atrás de um iate em propriedades de produtores rurais paranaenses. Eram trabalhadores rurais de mão calejada no interior do Paraná, morando dentro dos barracões.

Foi uma coisa maluca. E aconteceram outros abusos.

Em meados dos anos 2000, eu e outros advogados fomos presos indevidamente na Operação Big Brother, a mando também de Sergio Moro, que sequer tinha competência naquele caso. Teve um ex-cunhado meu que foi vítima de uma busca e apreensão.

Eles ordenaram isso e não sabiam que ele era meu cunhado naquela época. Era irmão da minha então esposa e faleceu depois disso.

Porque ele nunca mais se recuperou. Meu ex-cunhado desenvolveu um alcoolismo e morreu sozinho em seu apartamento engasgado com o próprio vômito.

Minha ex-mulher, mãe dos meus filhos, sempre diz isso. O João [o então cunhado] morreu em decorrência da prisão injusta absurda decretada pelo Sergio Moro.

Morreu 12 anos depois porque nunca mais se recuperou. Ele não era advogado e trabalhava no meu escritório. Na dúvida, Moro sempre decreta a prisão. Ele sempre foi assim.

Veja a entrevista na íntegra.

Participe de nosso grupo no WhatsApp,clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram,clique neste link