“Isso aí foi para dar força ao Bolsonaro”: editor de revista evangélica narra experiência com Pastor Everaldo

Atualizado em 28 de agosto de 2020 às 17:29
Pastor Everaldo batiza Bolsonaro nas águas do rio Jordão

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR CARLINHOS FERNANDES

EVERALDO E DUAS REPORTAGENS QUE SAÍRAM

Acordei com a notícia de que Everaldo Dias Pereira, presidente nacional do PSC – o Pastor Everaldo –, foi preso por ordem do STJ e lembrei de duas reportagens que fiz com ele. A primeira foi láááá atrás, em 1999, pela revista ‘Eclésia’ – aquela, que não publicou matéria com a cantora, missionária e deputada Flordelis por entender que ela só queria promoção pessoal e política. Com Everaldo, a pauta era o Cheque-Cidadão, programa de distribuição de renda do então governo Anthony Garotinho. O sistema previa a concessão de R$ 100 mensais a famílias abaixo da linha da pobreza, sob a condição de manter as crianças na escola e com carteira de vacinação em dia, algo tipo Bolsa-Família. O valor equivalia, ao câmbio da época, a uns 75 dólares. Beleza.

O que chamou a atenção de nossa apuração foi o sistema de distribuição do benefício. Naquele tempo, a internet engatinhava e a coisa era na base da entrega pessoal do cheque ao beneficiado. Só que, em vez de se mobilizar os canais usuais, como órgãos públicos, lotéricas ou entidades comunitárias, foi montada uma ampla rede de quase 700 templos religiosos, dos quais 90% eram igrejas evangélicas. Coisa de Everaldo, na época subsecretário do Gabinete Civil e responsável pelo sistema. Ouvimos pessoas que disseram que pastores vinculavam a entrega do Cheque-Cidadão à frequência do interessado aos cultos – em um dos casos, com assinatura em lista de presença e tudo, além de registro de número do Título Eleitoral do interessado.

Diante do óbvio desvio de finalidade, para dizer o mínimo, questionamos Pastor Everaldo. Bastante contrariado e sem entender por que uma revista “que se dizia evangélica” queria “publicar aquilo”, ele negou o interesse proselitista e político do programa social. Fez, ainda, comentários sobre “lavar roupa suja em casa” e disse que, dependendo do que fosse escrito, “haveria consequências”. Desta vez, a matéria saiu e não houve consequências além da perplexidade dos leitores.

O fato é que, naquele ano, diversos vereadores foram eleitos na esteira da benfeitoria social evangélica com chapéu alheio – no caso, o do contribuinte. Everaldo já trabalhava abertamente para catapultar o nome de Garotinho à corrida pelo Planalto, em 2002, na qual o ex-governador chegou em terceiro lugar, com expressivos 18% dos votos. Quanto ao Cheque-Cidadão, acabou azedando depois que muita gente, inclusive o falecido Leonel Brizola, questionou a preferência pelos intermediários evangélicos. O programa acabou, a vida seguiu seu curso, a Justiça entrou no rolo, Garotinho foi processado e chegou a ser preso. Quanto a Everaldo, continuou procurando bons bastidores para atuar. Em 2014, ei-lo, pessoalmente, na corrida presidencial, pelo seu PSC. Caricato na campanha, acabou chegando em um surpreendente 5º lugar, na eleição que teve Dilma Rousseff e Aécio Neves disputando o segundo turno. Coisas do Brasil.

Corta para 12 de maio de 2016. Pastor Everaldo está em Israel para celebrar o que chamou de batismo do então deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) no mítico Rio Jordão. Além de Jair, ele faz passar pelas águas, também, seus filhos Eduardo e Flávio, hoje famosos parlamentares do Congresso Nacional. A reportagem de ‘Cristianismo Hoje’, revista cuja chefia de Redação era exercida por mim, o procurou. Evidentemente, Everaldo não se lembrou deste modesto escriba. Eu quis saber dele o motivo da celebração, uma vez que Bolsonaro era – e continua sendo – católico confesso. Como se sabe, o batismo no rito evangélico implica, ao menos em tese, na adesão do batizando ao credo, teologia e doutrina protestantes. “Ah, meu irmão, isso aí foi para dar uma força ao Bolsonaro e aproximá-lo dos evangélicos”, justificou Everaldo. “Mas, não precisa publicar isso, não”. Bem, nós publicamos e muitos leitores expressaram sua estranheza com as motivações do rito.

Dois anos depois, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República, com ótima votação entre os evangélicos. Não se elegeu pelo PSC de Everaldo, mas pelo PSL, do qual sairia no primeiro ano de governo. Até onde sei, os dois não se falam mais.