Janaína lê o livro que Sergio Moro nem deve saber que existe. Por Moisés Mendes

Atualizado em 1 de outubro de 2025 às 12:20
Janaína lendo deitada na calçada com a cabeça escorada na mão na cabeça. Foto: Moisés Mendes

Janaína passa o dia lendo. Se fosse convidada por Pedro Bial para seu programa de entrevistas na Globo, poderia falar das suas leituras, e os telespectadores iriam concluir que ela lê mais do que Sergio Moro.

Janaína contaria que está lendo agora um livro com temas recomendados a todos os que participarão da COP30, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Belém do Pará, em novembro.

Ela lê sobre as transformações no mundo provocadas pelos fenômenos, desastres e crimes no cenário que agora chamam de emergência climática.

Janaína lia esses dias, deitada, com a cabeça escorada na mão, esse livro aqui: “Dário do Clima”, de Sonia Bridi, editado pela Globo Estilo. É o livro que ela está lendo nessa foto.

Lê deitada ou sentada, na calçada, na Rua Andrade Neves, no centro histórico de Porto Alegre. Janaína anda pelo centro carregando livros.

Funcionários de uma garagem, bem defronte de onde ela fica, e de uma lancheria ao lado dizem que ela passa o dia lendo.

Janaína é o que um dia chamavam de moradora de rua e que hoje chamam de pessoa em situação de rua. De mim, a única pergunta que ela ouviu foi sobre o livro que lia.

Informei a Janaína que havia feito uma foto dela, mas não perguntei mais nada. Não quis saber se gostava do livro, se admirava Sonia Bridi, se acha que o mundo vai acabar.

Sei, pelo que ouvi das pessoas daquele entorno, que ela ganha livros. Quem vê Janaína lendo retorna depois com um livro. Como alguém que lhe entregou os relatos da repórter da Globo.

Está escrito na capa, abaixo do título: “As aventuras e a ciência por trás da série de televisão ‘Terra, que tempo é esse?’”.

São relatos das viagens de Sonia Bridi com o cinegrafista (e seu marido) Paulo Zero. O livro, de 2012, é um diário sobre as viagens que eles fizeram por 14 países, com textos e imagens, e foram mostradas no Fantástico.

Sergio Moro, que gosta de biografias, mas não sabe dizer quais leu, talvez nunca leia algo parecido. Nem muitos dos que irão participar da conferência do clima no Brasil.

O senador do Paraná, Sergio Moro. Foto: reprodução

Pois essa biografia da Terra pela visão de uma grande jornalista era o que Janaína lia dia desses na calçada, enquanto as pessoas passavam. Janaína viaja com Sonia e Paulo, sobe montanhas, atravessa rios, participa de rituais, caminha por desertos.

O tema do livro é a emergência e como se apresenta em várias partes do mundo. O tom é de quem mergulha nas transformações e nas tragédias cotidianas da Terra com o otimismo dos que enxergam a salvação.

O livro é assim dedicado por Sonia Bridi: “À Mariana e ao Pedro, herdeiros da Terra que eu deixar”. É a Terra que estamos deixando para Janaína. Se o mundo não fosse tão cínico, Janaína deveria ser convidada para a COP30.)

(Encontramos Janaína na primavera, passando pela Andrade Neves, porque meu amigo jornalista José Antônio Silva percebeu que ela lia. No dia seguinte, voltei ao centro só para saber se outro amigo, o livreiro Mauro Scheuer, da Ladeira Livros, tinha a obra de Sonia Bridi. Pois informo à Janaína que eu também estou lendo ‘Diário do Clima’.)

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/