Janot precisa escrever outro livro contando como a bebida interferiu em suas atitudes – Por Mauro Donato

Atualizado em 8 de outubro de 2019 às 11:06
Janot

O retumbante fracasso de público e de vendas no lançamento do livro de Rodrigo Janot não é algo a ser comemorado por um escritor como este humilde jornalista.

Na noite de ontem, na Livraria da Vila, o ex-procurador geral da República vendeu míseros 43 exemplares de seu “Nada menos que tudo”.

Para um nome tão conhecido, é desolador (este que vos escreve, que não sou ninguém na fila do pão, vendi mais de 70 unidades no lançamento de meu primeiro livro).

Para se ter uma ideia da expectativa, a Editora Planeta havia levado 550 livros para o evento. Não foram comercializados nem 10% disso.

Pela negociação padrão entre autor e editora, Janot tem R$ 240,37 a receber pela noite de ontem.

Há explicações razoáveis para o insucesso. A primeira delas é que a versão em PDF vazou imediatamente após a veiculação da matéria da revista Veja. Antes mesmo da noite de lançamento, muitas pessoas já tinham lido o livro, de graça.

A segunda – e não menos importante – é que a obra, pasmem, perdeu totalmente o sentido depois de Janot ter revelado para a revista, algo que ocultou no livro. Não um mero detalhe, e sim a revelação mais impactante, o episódio Gilmar Mendes.

Sim, quem ler apenas o livro não saberá qual ministro do STF Janot pretendia assassinar antes de cometer suicídio. Informação essencial que, num gesto de total desinteligência, ele preferiu revelar a uma revista semanal depois do livro pronto.

Esse fato comprova que biografias de pessoas vivas são uma grande roubada. O livro de Janot não pode ser considerado uma autobiografia (para a qual obviamente é preciso estar vivo para escrevê-la).

O ex-procurador geral fez um relato a dois jornalistas. Foram eles que escreveram o livro através do filtro do próprio biografado. Tomaram uma rasteira.

Por que Janot não disse aos jornalistas que era Gilmar Mendes seu alvo?

Aqui chegamos no ponto deste texto. Janot estava em condições de se lembrar?

Até a data mencionada como a do episódio já foi colocada em dúvida. No dia que Janot citou ter sido como o da quase-ocorrência, ele nem mesmo estava em Brasília.

Um simples erro? Ou bug?

O caso me fez lembrar de uma outra biografia, essa sim escrita – e muito bem escrita – pelo próprio biografado, e qual sua motivação para a empreitada.

David Carr, brilhante jornalista do New York Times, com sérios problemas devido ao consumo desenfreado de álcool e drogas pesadas, passou por uma experiência que o fez rever toda sua vida e colocá-la no papel.

“A noite da arma” é o título do livro e se refere ao episódio no qual David Carr percebeu que não tinha mais na memória os fatos como eles realmente aconteceram.

O jornalista americano acreditava ter sido ameaçado por um amigo com uma arma, quando a verdade era o oposto disso.

Ele então saiu entrevistando as pessoas que o conheciam, para saber mais sobre si mesmo durante seus anos de dependência. Era a única forma de relatar a verdade que já havia lhe escapado.

Talvez Rodrigo Janot devesse seguir o exemplo de David Carr e reescrever suas memórias após um minucioso escrutínio dos fatos tal qual ocorreram. Sobretudo, uma análise fria – e pessoal ao mesmo tempo – sobre os efeitos da “farmacinha” em seu gabinete.

Uma autoridade como ele, com poderes muito acima dos pobres mortais, trabalhava em quais condições exatamente?

Será que, num arroubo de sinceridade, Janot não tenha remorsos a nos contar sobre algumas decisões “tomadas”? O que ele poderia esclarecer sobre não ter aprovado a anulação do impeachment de Dilma?

Um impeachment que não pode atender por outro nome que não seja golpe e ele sabe bem disso.

Da forma como agiu, Janot colocou sua vida profissional em risco. Está em vias de perder o registro da OAB (o que o impedirá de advogar), não pode se aproximar a menos de 200 metros de qualquer ministro do Supremo, está com computador e celular apreendidos para perícia, há um pedido para que seja investigado também pelo Conselho Nacional do MP.

Então, Janot, escreva. A literatura poderá ser seu refúgio. Não dá dinheiro, mas quem sabe você se lembre de mais detalhes acerca do dia da arma e de outros dias nos quais colocou mais pessoas em perigo.