Jantando com Kim em Florianópolis: não comi e não gostei. Por Renan Antunes

Atualizado em 25 de dezembro de 2017 às 18:40

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POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA 

O anúncio de um jantar tipo finger food com Kim Kataguiri a 290 pratas meio que bombou na internet.

Decidi ir ao jantar: minha curiosidade foi pelos 290.

Tratar-se-ia de um prato de salgadinhos gordurosos por um terço do salário mínimo?

290 é uma despesa e tanto num tempo de Brasil sob tremendo ajuste nas contas privadas e ainda não totalmente recuperado dos efeitos devastadores da tremendíssima pedalada fiscal.

O MITO

E, confesso, eu estava curioso pra ver Kim in the flesh: é o 30º homem mais importante do planeta, segundo uma daquelas listas de revistas estrangeiras.

Como Ele estaria se sentindo às vésperas do banimento de Dilma? Teria ele algum recado pra presidente em queda?

Mais: que tipo de gente pagaria pra vê-lo comemorar sua (dele) participação na farsa em andamento no Congresso?

Me explico: digo farsa não para desmerecer o ato jurídico regido pelo presidente do STF, mas sim porque é talvez o único julgamento que eu do qual já sei o veredicto antes da hora.

Eu queria muito ver o mito.

Embora tivéssemos sido colegas de empresa jornalística por algumas semanas, eu nunca vira o bicho ao vivo e a cores.

Queria entender como Ele é tão incensado, já considerado um dos mais brilhantes colunistas da nova geração – com 20 escreve mais do que eu, com 40 anos de profissão. E na Folha!

Ele não é pouca coisa: o homem quase garoto, ou o garoto quase homem, que lidera o MBL (Movimento Brasil Livre) para as grandes conquistas sociais na Era Temer!

É provável – sim, ele já pode se considerar assim: Kim Pioneiro do Desmonte da Previdência.

Ou quem sabe “Kim, o Libertador dos Trabalhadores”. Depois dele, será cada um pra si, sem a proteção deste ente inútil chamado Estado.

O TITANIC

O jantar com Ele e as papapas estava marcado pras oito da noite da sexta (26) no Flophotel, no centro de Floripa.

Problema: não havia nenhum telefone pra contatos, nem dicas de onde se comprar o megaingresso.

Liguei pro hotel, mas a moça da recepção só tinha perguntas: “Kim quem? Quando? Onde? É da farmacêutica?”

Vapt vupt fiz os 30 km de casa ao hotel e cheguei às 18h45.

Faltando menos de duas horas pro banquete anunciado um porteiro informa onde seria – no Golden Room, segunda sobre-loja.

Mas ele também não sabia quem era Kim: “É a festa do Ramiro” foi tudo que ele soube dizer.

Ramiro, Ramiro… Meu radar só detectou o improvável Ramiro da lateral-direita do Grêmio.

Num átimo, adentrei ao Golden Room. Estava despido, pobrezinho. Nada sugeria um jantar de 1/3 do SM em andamento.

O décor de números cabalísticos eram mesas redondas com toalhas gelo puídas – 13 mesas com 7 cadeiras cada.

Cálculo rápido, daria pra 91 pessoas, mais alguns nichos pro pessoal sentar no chão – num devaneio vi o Golden fervilhando como naquele baile do Titanic.

Um senhor gordo e alto, marido da gaúcha quituteira que estava na cozinha, me esclareceu quem era Ramiro: “Foi ele que contratou o bufê”.

Esclarecido: é candidato a vereador pelo DEM de Floripa. O gordo quituteiro completa: “Ele é um idealista, eu sempre digo pra ele que ele é idealista demais para a política”. Hã hã, anote aí, Ramiro, o Idealista. Do DEM.

Pensei comigo: o objetivo maior do encontro seria arrecadar 290 x 91 cadeiras para jogar o dinheiro na campanha dele?

O quituteiro parece que lê pensamentos e me derruba: “Ele não precisa, é um homem muito rico, um doutor, e a mulher dele também”.

O VINHO

Soube depois que Ramiro contratou Tiago (emprego aproximado: motorista ou auxiliar de ambulância de resgate), forte, cara de mau, ajudado por uma namorada mais alta do que ele. Os dois vendiam os ingressos.

A moçona me deu uma pulseira verde em troca dos meus suados 290. Me preparei para passar o cartão e parcelar a comilança em três vezes – Tiago levava uma máquina acoplada ao celular.

Aí veio a ordem por whatsapp: jornalista não entra. “É um evento privado só pros amigos do Ramiro que estão na lista”, disse a moçona – ela estava tendo enormes, visíveis dificuldades para ler os nomes e fazer tic com a caneta do lado deles.

O casal MBL me tirou a pulseirinha e devolveu meu dinheiro.

Sentei na escada pra esperar Mirian Mxxx que era a chefona do encontro. Ela me daria, talvez, credenciais pra poder chegar perto d’Ele (Kim, não de Ramiro).

Surge Mariela, RP do MBL. Petit, sorridente, meiguinha. Me traz uma taça de vinho, servida na escada. Provei um gole. Não identifiquei safra nem variedade, abandonei a taça num degrau.

Ela puxou assunto sobre as eternas dificuldades dos RPs em agradar todos os clientes: “Se fosse por mim você jantaria conosco”. Me emocionei com a sinceridade da garota.

Mariela confirmou os participantes em 30 pagantes = 8.700 no caixa. Pra quem vai o dinheiro? “Sei lá”, disse, desligada das questões terrenas.

A moça escorregou pra temas confessionais. Me disse uma ótima, que eu nunca tinha ouvido: “Vivo com dois gatos e um cachorro porque não gosto de limpar pelo de homem pela casa”.

O DELATOR

Papo vai e vem aparece um fotógrafo. Um engenheiro de 26 anos chamado Ricardo Carminatti, de colete preto.

Ele é um admirador, fã e quase servo de Kim – que capacidade Ele parece ter de conquistar mentes como as de Rick!

“Vim ajudar com as fotos”, disse o voluntário. Exibe sua Canon Rebel 3T1, emprestada pela irmã.

E sem que eu perguntasse, me deu seu currículo: ex-bolsista do Ciências sem Fronteiras na Califórnia em 2012.
Adora o exterior, qualquer lugar fora daqui. Se pudesse escolher preferiria a Holanda, sonha ganhar cidadania por lá.
Não pôde continuar a carreira no exterior e nem pode mais voltar: “Acabou o dinheiro do projeto porque a Dilma gastou tudo” – inclusive pagando o curso anterior dele.

Fiquei pensando o que o Brasil teria feito para o rapaz, um nativo da ilha – filho de uma família tradicional e rica – para ele ganhar bolsa da União e ainda assim odiar o Tesouro Nacional.

Ele me disse mais: confessou ser um foto-alcaguete da PF.

Orgulhoso, contou sua até agora desconhecida participação no Levante do Bosque (https://www.facebook.com/LevanteDoBosque/), o incidente em que os estudantes da UFSC botaram a Polícia Federal pra fora do campus em março de 2014 – movimento já reconhecido por historiadores como um marco do idealismo da juventude universitária de Floripa.

“Eu estava lá e fiz fotos do pessoal. Aí quando a PF me viu, me chamou para interrogatório. Eu disse pro delegado que era contra o levante e mostrei pra ele quem eram os verdadeiros participantes”.

Carminatti explicou como delatou os colegas: “Eles (da PF) também tinham fotos, mas não sabiam quem era quem. Começando por um esquerdinha da Geografia, eu mostrei como era fácil localizar e identifiquei cada um, pelo cadastro da UFSC. Lá mesmo, na sede da PF, abri o PC deles e localizamos a maioria dos bagunceiros”.

O processo ainda rola e a PF ainda quer enquadrar alguém pela baderna – já são 40 os indiciados, baseados na delação não-premiada de Ricardo.

Enojado – sim, repórter também tem nojo – larguei Ricardo pra ir fazer xixi.

DOM QUIXOTE ÀS AVESSAS

E aparece o primeiro convidado da lista. Adésio. Funcionário público de repartição incógnita.

Pense em Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura, sem a causa, sem o cavalo e sem o escudeiro, baixinho, magrinho e de óculos.

Uma figura sombria, assustada, não queria nem dar o nome. Descobri quando uma loira fake gritou “Adésio, traz aquelas caixas”. Eram pesadas demais e ele refugou.

Um casal é barrado na portaria. Ele passa o cartão e ganha acesso, ela num horroroso vestido da cor das toalhas de mesa do Golden Room.

A estas já eram quase nove e nada de Kim.

Eu firme, esperando pra ver Ele passar.

O FLASH

E quando eu me distraí com uma senhora da lista, muito chamativa e ensalamada num vestido vermelho de rendinhas, eis que Ele passa como um flash.

Kim veio cercado por quatro pessoas. Um homem de cabelo escovinha militar e perfil bombado corria atrás gravando os passos do Mestre até sua entrada no elevador.

Mal deu tempo d’eu tentar puxar meu cel do bolso, digitar a senha e buscar câmera – vapt e Ele sumiu.

Perdi a foto, mas juro por todos os santos que Ele estava de camiseta verde. Parecia humano.

Lá dentro, me contaram depois, Ele fez papos pequenos nas meses redondas. Nada de speech. Músicas de elevador animaram o ambiente. O tema era ajudar Ramiro.

“As pessoas o saudavam como se Kim tivesse derrubado a Dilma ele mesmo, aí ele fazia carinha de modesto e sorria”, conta a moça que pediu para Adésio carregar as caixas.

Delator Carminatti estava preocupado com os esquerdinhas: “Temos informações de que um grupo de agitadores está vindo para cá pra provocar o Kim”. Olhei para fora e só vi as ruas geladas de Floripa, quase desertas.

Havia uma rádio-patrulha estacionada ao lado do hotel, dando o clima de segurança máxima – mas com certeza está lá todo dia, porque o hotel é vizinho da secretaria de Segurança Pública.

A estas todas o staff todo de Kim estava trancafiado no salão de festas. As vozes eram abafadas por portas fechadas, nada indicava que era alguma conspiração.

Pensei: será que o reitor da Universidade para o Desenvolvimento de Santa Catarina (Udesc) está lá dentro? Perguntei, ninguém viu.

É que foi dele a iniciativa de cancelar uma palestra que Kim daria na escola, na quinta – cancelada porque os estudantes ficaram enfurecidos e não o quiseram (a Kim, não ao reitor).

Uma das moças que iam e vinham me confirmaram que o reitor não estava. E disseram que o clima lá dentro era ameno, calmo, discreto e que Kim parecia com sono.

Dei umas caminhadinhas por fora, sempre seguido pelo Tiago e pelo cara dos cabelos curtos, mas me proibiram até de ir ao corredor do Golden Room.

O FUNGHI NÃO TAVA MUITO BOM

Sentei uma boa hora com o quituteiro no saguão do hotel e ficamos vendo Velho Chico.

Num furo de reportagem, descobri o cardápio: bobó de camarão, caldo de feijão, arroz com funghi e escondidinho de carne.

Não queria ofender o cara, mas tive vontade de perguntar “290 pra comer escondidinho?”.

Questionei só o “finger food”, aperitivos pra comer com os dedos…ele me tranqüilizou afirmando que havia garfos pro arroz e colheres pro feijão –ufa, já imaginaram a lambança de meter os fingers no feijão e no funghi?

Mariela me contou depois que o funghi não estava lá estas coisas. Sorte minha que não entrei, porque é um dos meus pratos favoritos.

Quando eram quase 11 da noite eu olhei pras ruas mais desertas ainda e temi que alguém àquelas alturas estivesse roubando meu carro, estacionado três quadras adiante -nem sombra de esquerdinhas.

Corri para meu Suzuki 2002 – estava lá!

Não resisti ao conforto dele e tomei a decisão corajosa e segura: voltei para casa.

Com fome, mas salvei minhas 290 pratas.

Quanto ao Kim, deixo pra falarmos noutra ocasião.

Vou esperar Ele crescer um pouco mais.