
O Parlamento japonês elegeu nesta terça-feira (21) Sanae Takaichi, de 64 anos, como a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Japão. Ex-ministra dos Assuntos Internos e da Segurança Econômica, Takaichi venceu a disputa interna do Partido Liberal Democrata (PLD) no início de outubro e agora substitui Shigeru Ishiba, que renunciou após derrotas eleitorais. Sua ascensão ocorre em meio a uma crise de confiança no PLD e a um contexto econômico desafiador, marcado pela inflação e pela necessidade de estímulos fiscais.
Com um perfil abertamente conservador, Takaichi tem se mostrado resistente a pautas de igualdade de gênero e diversidade. Ela defende a sucessão imperial exclusivamente masculina, rejeita o casamento entre pessoas do mesmo sexo e é contra que casais adotem sobrenomes diferentes.
Discípula do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, assassinado em 2022, deve manter a linha política do mentor, com foco no fortalecimento militar e na revisão da Constituição pacifista.
“Se o público está genuinamente se sentindo angustiado quanto a isso, precisamos encontrar um caminho para resolver essas preocupações. Não tem a ver com xenofobia ou exclusão”, afirmou em entrevista ao jornal Asahi Shimbun.
A eleição de Takaichi foi consolidada com 237 votos na Câmara Baixa e 125 na Câmara Alta, uma maioria simples nas duas casas. O PLD, fragilizado e sem o apoio pleno do Komeito, contou com o reforço do Partido da Inovação (Ishin), que aderiu à coalizão na véspera da votação. Ela é a quarta pessoa a ocupar o cargo de premiê em cinco anos e deverá anunciar em breve um gabinete composto por aliados do veterano político Taro Aso.
O governo estadunidense, liderado por Donald Trump, elogiou a escolha. “Uma tremenda notícia”, declarou o presidente. Takaichi respondeu dizendo estar “muito satisfeita” e que espera “trabalhar em conjunto [com ele] para tornar nossa aliança ainda mais forte e próspera”.
A nova primeira-ministra também defende políticas rígidas de controle migratório, tema que tem ganhado força na arena política japonesa. Durante sua campanha, propôs criar um centro de comando subordinado diretamente ao gabinete para tratar de questões relacionadas a estrangeiros.
O discurso ganhou repercussão após ela mencionar, sem provas, relatos de turistas agredindo cervos no Parque de Nara. A fala foi criticada pela oposição, que a acusou de estimular a xenofobia.

Em entrevista ao G1, o professor Daisuke Onuki, da Universidade de Tokai, vê a ascensão de ideias populistas como reflexo do medo econômico: “Atrás desse medo da invasão dos estrangeiros está o enfraquecimento da economia e da moeda. O problema é resultado da política adotada por Shinzo Abe”.
Segundo a Agência de Imigração, o número de estrangeiros no Japão atingiu 3,96 milhões em 2025, um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Brasileiros formam o sétimo maior grupo, com 211 mil residentes, atrás de chineses, vietnamitas e coreanos. Apesar disso, relatos de discriminação são frequentes.
“Só depois de cinco recusas consegui uma casa. Se os japoneses não mudarem essa mentalidade etnocêntrica, o país não conseguirá avançar”, disse o engenheiro brasileiro Sakai, que vive no Japão há nove anos.
A pauta anti-imigração tem sido central na ascensão do partido ultranacionalista Sanseito, que em julho conquistou 14 das 125 cadeiras em disputa na Câmara Alta com o slogan “Japan First”, inspirado no “America First” de Donald Trump.
O avanço do discurso xenófobo levou o Movimento Brasileiros Emigrados (MBE) e mais de mil organizações a divulgarem uma “declaração de emergência contra o incitamento à xenofobia”. O cofundador Miguel Kamiunten alerta: “Trinta anos depois de o Japão aderir à Convenção Internacional contra a Discriminação Racial, o discurso de ódio ainda é forte”.
A contradição é evidente: o país precisa de mão de obra estrangeira para compensar o envelhecimento populacional. O governo estima atrair 820 mil imigrantes até 2030 por meio do visto de habilidades específicas, já utilizado por 300 mil trabalhadores, em sua maioria do Sudeste Asiático.
Governadores e prefeitos defendem políticas de integração, mas enfrentam resistência popular. Para o cientista político Masaya Hiyazaki, “se a diminuição populacional continuar, o Japão não conseguirá se manter sem atrair estrategicamente estrangeiros e promover a convivência mútua”.